Movendo-nos no horizonte novo da pós-modernidade, um olhar sobre Jesus pode ser revelador.
Jesus Cristo continua a nos surpreender enquanto modelo inspirador e referência principal da grande ousadia humana. Ele fez brilhar a novidade de Deus nas vilas e cidades da Palestina. Desde seu cotidiano na vida oculta até sua corajosa atividade pública, Ele nos ajuda a reler o Evangelho com olhar novo e coração abrasado. Quem disse que interioridade não provoca reviravoltas históricas?
Jesus tem uma postura de Mestre, mas está sempre aberto a reaprender: atravessa as noites, os desertos e as tempestades em atitude de aprendizado. Não se perde nas crises, nem se isola no intimismo imaturo. Ele revela uma interioridade ao mesmo tempo misteriosa e aberta: centrada em seu mistério pessoal e acolhedora do outro. Passa as madrugadas na intimidade com o Pai e se faz presente a todas as situações dramáticas de dor, exclusão, desumanidade e morte (Lc 9, 28-43).
No encontro com as pessoas, com os conflitos, com os momentos de alegria e com os riscos de sua missão, Ele mostra vigor, ousadia e coragem de ir além. A cada passo, Ele revê o conjunto do caminho e assimila novas percepções. No início de sua pregação, dedica-se apenas ao ambiente judaico-palestinense. Como bom judeu e galileu piedoso, começa a evangelizar nos limites da cultura e da fé israelita (Mt 10, 5). Mas depois vai visualizando maior universalidade e ultrapassa os horizontes costumeiros (Mt 28, 19). Indo além, Jesus repensa os conceitos de Deus e de religião, e diz que o Pai pode ser adorado em qualquer lugar, desde que seja “em espírito e verdade” (Jo 4, 23).
Sua linguagem utiliza as tradicionais parábolas, mas o conteúdo ensinado supera o antigo: é inédito, fala com autoridade própria (Mc 1, 22; Lc 15). Prega com originalidade e capacidade de sedução: diz que o ser humano é o grande valor querido por Deus, e que o sábado, a Torá e o Templo existem, porque a vida humana está revestida de sacralidade, mais que os altares e os costumes antigos.
Em termos de cultura, Jesus é um homem plural
Aprende, aos poucos, a ampliar seus horizontes, seus interlocutores e sua extensão missionária (Mt 25, 21-28). Fala com rabinos eruditos, com prostitutas, com crianças, com anciãos importantes, com amigos, com opositores, com Deus… Pluralista em sua comunicação, Jesus cultiva relacionamentos variados, sem perder sua identidade pessoal, nem abrir mão de um projeto de vida cada vez mais exigente. De um lado, extrema humanidade e abertura, de outro, maturidade suficiente para ousar, fazer escolhas, assumir limites e enfrentar a Cruz.
Há um traço na personalidade de Jesus que os Evangelhos destacam: Ele era um “transgressor”. Rompeu com a família, afastou-se da vida normal que todos levavam, rompeu com as tradições de seu povo, violou a lei do sábado, não respeitou as hierarquias, a ordem estabelecida, revelou-se livre perante o Templo, o culto. Sua transgressão decorria da percepção de situações extremamente injustas vigentes na sociedade e das quais as primeiras vítimas eram os excluídos.
Jesus optou por ficar do lado das vítimas
Jesus ousou transgredir. E transgrediu fronteiras que pareciam intocáveis. Transgrediu o sábado e considerou a vida como prioridade. “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2, 27). Transgrediu a Lei de Moisés e não permitiu que a mulher adúltera fosse apedrejada (Jo 8, 3-11). Transgrediu a prioridade do sacrifício. “Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício” (Mt 9, 13). Jesus transgrediu fronteiras judaicas e mostrou que o projeto de Deus ultrapassa limites geográficos. Jesus transgrediu ousadamente ao “expulsar os vendedores e compradores” instalados no Templo. E transgrediu frontalmente a desigualdade injusta: “Felizes os pobres” e “Ai de vós, ó ricos” (Lc 6, 20). Jesus ensinou a transgredir fronteiras que limitam o autêntico sentido do Evangelho. Por isso, a Igreja ousou transgredir barreiras desde o início do cristianismo.
O Espírito soprou e os Apóstolos decidiram libertar os cristãos de heranças estéreis. A comunidade eclesial cruzou fronteiras e passou a evangelizar os gentios. Essa memorável transgressão de limites universalizou a Igreja.
Texto Bíblico: Jo 4 / Jo 2, 13-25 / Lc 7, 24-30
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