“A um ou dois passos do lugar onde farei a contemplação” (EE 75)
Organizar o espaço é uma das preocupações mais importantes do ser humano em todos os tempos. Trata-se de algo originário, instintivo, uma “experiência primária”. Somos seres espaciais; o espaço é onde nos tornamos pessoa, pois ele nos possibilita o encontro com o outro, nos faz ter os pés no chão, nos faz sentir em comunhão com toda a Criação.
A nossa sociedade parece estar à deriva justamente porque não sabe reconhecer espaços diferentes e vitais. Tudo se torna igual e os espaços não falam mais, carecem de sentido e se revelam como lugares vazios. Os espaços são violados, os “lugares sagrados” são profanados, os ambientes carregados de sentido não revelam mais nada. A consequência é o esfriamento nas relações, a invasão do espaço do outro, a frieza ecológica.
Na vivência experiencial, o espaço só pode ser percebido através da nossa sensibilidade e da imaginação. Para Santo Inácio, os espaços nascem na imaginação. Os Exercícios Espirituais, ele nos convida, através do preâmbulo “composição vendo o lugar”, a imaginar espaços em movimento, espaços de encontro, de desafio, espaços provocativos e criativos, enfim, espaços carregados de presença. A “composição vendo o lugar” desperta em nós um novo olhar para perceber, com mais nitidez e intensidade, os espaços por onde transitamos, uma nova disposição para dar sentido e valor aos espaços cotidianos, uma nova sensibilidade para enxergar a presença d’Aquele que ocupa todos os espaços e que nos conduz para o lugar da plenitude: o Paraíso reencontrado. Lugares dos homens, lugar de Deus.
Da imaginação para a realidade, da oração para a ação.
Aí está a força e o sentido do espaço inaciano. Um espaço sagrado que nasce do coração, carregado de afeto, de inspiração, de vitalidade. O espaço externo é o prolongamento do espaço saboreado internamente. A composição do espaço na oração configura e ordena, de modo novo e diferente, os lugares cotidianos. A oração inaciana, portanto, é profundamente espacial: um lugar vital, dramático, que questiona, ilumina, vitaliza e carrega de sentido os nossos espaços por onde transitamos diariamente. Rubem Alves afirma que “há, dentro de cada um de nós, um jardim secreto, fechado, que precisa ser aberto”. O 1º capítulo do Gênesis nos relata que o Criador, depois de plantado o jardim, parou o seu trabalho e entregou-se ao puro prazer de contemplar aquele espaço paradisíaco. “E viu que era muito bom!”
“O sentimento de beleza é o nosso elo com o Infinito” Clarice Lispector
Foi nas profundezas do ser humano que nasceram as sinfonias de Beethoven, as telas de Monet, as esculturas de Michelangelo, os poemas de Fernando Pessoa, o canto Gregoriano, os Exercícios Espirituais de Inácio. Escrever, pintar, rir, esculpir, cantar, falar, dançar, compor, imaginar, construir, ouvir, celebrar, transformar, acreditar, crescer, agir, projetar, ler, moldar. São verbos que devem fazer parte do nosso cotidiano. Há muito mais coisas dentro de nós tentando se expressar.
O profeta Isaías nos recomendar ampliar este espaço interior: “Alarga o espaço de tua tenda, estende sem medo tuas lonas, alonga tuas cordas, finca bem tuas estacas” (Is. 54,2). Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade e abertura às novas ideias e às novas descobertas. Algumas fortalezas e seguranças pessoais caem quando os espaços interiores, abrasados e iluminados pela força do Espírito, começam a romper as paredes e se encarnam em espaços exteriores, marcados pela beleza e encantamento: espaço ecológico, espaço celebrativo, espaço contemplativo, espaço de convivência. Um espaço nobre que só tem sentido quando é carregado de presenças.
Não tem sentido ampliar os espaços externos se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade sente-se bloqueada. Espaço amplo é convite a sonhar alto, a pensar grande, ousar ir além, lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.
Esta é a experiência onde se integra a luta com a festa, a eficácia com a beleza, a criação com a espiritualidade. “Ter o coração maior que o mundo”, este foi o desejo que desafiou Inácio, este é o desejo que nos inquieta e nos faz peregrinar em direção a espaços sempre mais amplos.
Textos Bíblicos: Mc 4, 35-41 / Ex 14, 15-31 / Ex 3
Na oração: Rezar as dimensões estreitas da própria vida.
# Clique aqui e faça o download da versão para impressão desta reflexão.
Veja também a última reflexão.