Opção pelos pobres e contra a pobreza

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“Aquele amor que me move e me faz dar a esmola descida do alto, do amor de Deus” (EE 338)

O Amor que desce do alto pelos pobres. O Amor que desce do alto para todos os pobres. O Amor que desce do alto contra toda pobreza. Para Santo Inácio, ninguém que pretenda ordenar seriamente a sua vida pode sair dos Exercícios Espirituais sem ter colocado o rumo da sua existência no horizonte referencial dos pobres. Isto significa, concretamente, sair de si, revestir-se de Cristo, pobre e humilde, por amor à humanidade.

A preocupação primeira dos Exercícios é a conversão do coração ao “Amor que desce do alto”, sem a qual toda atividade social, mesmo a mais generosa, se esvaziaria, por não ter como fim o ser humano integral. Inácio revela nos Exercícios que, para a pessoa exercitante, a busca de Deus não é autêntica se não passa pelo compromisso amoroso no mundo dos pobres, e que, reciprocamente, não há compromisso perfeito pelo ser humano, de modo particular pelo empobrecido, que não seja fruto de uma descoberta do Amor de Deus, que desce do alto.

Nas “Regras para distribuir esmolas” (EE 337-344), Inácio enraíza o amor concreto aos pobres no alto, em Deus. O amor preferencial pelos pobres é divino, antes de ser humano. E o ser humano só pode assumi-lo como seu, seja porque antes o contemplou na prática salvadora e amorosa do próprio Jesus, seja porque este amor foi por Deus colocado no mais profundo do seu coração.

A grande intuição de Inácio é que o amor preferencial pelos pobres, não é meramente um amor de amizade (filia), ou uma solidariedade humana, mas é o amor de doação, gratuito, isto é, o amor ágape. É o ágape de Deus que se encarna em nossa capacidade de doação e de perdão. O esforço dos Exercícios de “tirar de si todas as afeições desordenadas” tem como meta permitir que o ágape de Deus se apodere de nossa capacidade de amar.O ser humano não ama verdadeiramente a seu irmão a não ser que ame com o amor d’Aquele que nos amou primeiro (1Jo 4,19). A opção pelos pobres e pela pobreza, é, portanto, uma opção de Amor. Há aqui outra característica do ágape de Deus: no dom ao outro, ressoa o dom de Sua vida”.

É aí onde Inácio multiplica, nos Exercícios, as expressões “humilde”, “humildade”, “humilhação”. A humildade inaciana é a maneira divina de amar: o Amor de Deus, revelado em Cristo, consiste em oferecer-se humildemente aos pobres para que eles vivam. O amor preferencial pelos pobres passará, através de inevitáveis humilhações, a um amor que repele todo e qualquer dominação, toda violência, toda ganância, de uma sociedade consumista.

Ser mais para os demais

O amor preferencial pelos pobres, no modo inaciano de ser, não é, portanto, algo ideológico, filantrópico ou político-partidário. É sim, algo que se configura na pobreza e humilhação concretas para encontrar-se com o Cristo pobre e humilde. Nos Exercícios, Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição divina, se encarna e se esvazia. É com esse Cristo pobre a única via de acesso ao mistério glorioso do Amor de Deus.

A pobreza, nos Exercícios Espirituais, toma agradavelmente o aspecto da gratuidade, que se opõe à avareza. A gratuidade significa a mudança radical da sociedade humana, que somente o amor que desce do alto pode criar.  A nossa ação, que é uma resposta à interpelação do rosto do pobre, nasce da absoluta gratuidade de Deus e é chamada a manifestar esta gratuidade. Somos chamados a testemunhar que se pode ser feliz vivendo uma cultura da gratuidade, uma cultura da moderação, que possibilite uma divisão dos bens mais igualitária e justa para todas as pessoas e que favoreça melhores condições de realização humana.

Os Exercícios, escola de liberdade cristã, dão no amor preferencial pelos pobres, por todos os pobres, a verdadeira dimensão cristã: a resposta livre ao amor pelos pobres que Deus, desde o alto, revela em Cristo pobre, rico em Espírito. O encontro com o outro, pobre e marginalizado, dá um toque especial à nossa espiritualidade, fazendo nossa ação ser mais radical, mais enraizada em si mesmo e mais fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-se do empobrecido e deixar-se afetar pelo seu sofrimento, isto torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas fraquezas suscitam em nós o melhor de nós mesmos e ao nos envolver afetivamente em sua vida fazem que vivamos um misto de ternura e indignação, a que chamamos compaixão.

Na experiência de conviver com os mais pobres, adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade. Eles tem um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.

Texto Bíblico 2Cor 8,7-15 / Mc 12,41-44 /  Mt 19,16-30

 

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