“Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19, 7)
Alguém que opta entrar numa terra diferente, sem os apoios comuns da existência, este é um peregrino. Alguém livre, que saboreia cada passo em cada momento, que não se acomoda num determinado lugar, que está sempre na expetativa do novo, do diferente, do inesperado. As estradas são os caminhos do mundo, de Portugal, da Espanha, do Brasil. Mas é muito mais a vereda de mistério e luz que o Senhor o faz seguir no decorrer de suas longas caminhadas.
Na estrada do peregrino há o despojamento, a pobreza, por vezes a fome e a sede, os caprichos das estações, a incerteza dos dias de amanhã. Há a liberdade do espírito, horizontes infinitos, desafios que despertam a criatividade, ousadia que ultrapassa o momento histórico. Há o imprevisto, o acontecimento inesperado, que comanda o ritmo da marcha, as paradas, as estadias, as mudanças de rumo. Há o encontro com fiéis e infiéis, companheiros que se agregam, amigos que ajudam, inimigos que espreitam, pobres que compartilham o mesmo pão.
Finalmente, a estrada aproxima o peregrino, a cada instante, da meta ainda escondida, mas certa. Ao voltar-se para trás, ele se dá conta que o itinerário foi realmente maravilhoso, que a experiência o transformou, que está mais livre, mais autêntico, mais rejuvenescido.
São José de Anchieta é o homem peregrino: vai contemplar a outra face da fronteira geográfica e cultural, até então inédita para ele e para todos. Busca viver em profundidade essa experiência de travessia, até os limites extremos do despojamento e de tudo. Percorre, a pé e de barco, todo o litoral brasileiro. Seu caminho tinha de ser desbravado com criatividade, ousadia e destemor.
Tinha o coração maior que o mundo
Anchieta é o homem de fronteira. Há nele uma força interior que o arranca da acomodação, o coloca em contínuo movimento e o transforma em cidadão do mundo. Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Invadido por uma paixão que não lhe dá repouso, Anchieta está presente em tudo, sem extraviar-se nunca na confusão das coisas. Tudo lhe interessa e em tudo deixa sua marca: literatura, educação, medicina, teatro, catequese, botânica. Sempre em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Anchieta avança como homem livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos acontecimentos, pronto a servir a Deus e seus pobres preferidos.
Mergulhados no carisma fundante, na fonte, e inspirados no melhor da tradição inaciana, somos chamados a uma mudança permanente em nosso compromisso cristão. Seguir Jesus é, em sua essência, mudança, movimento, dinamismo, energia, pois Deus não nos deu um espírito de timidez, de medo, de fuga, de acomodação, mas de audácia, de criatividade, de luta, de participação. A fidelidade criativa ao carisma inaciano nos impulsiona a inventar constantemente, a ousar sem medo, a deslocar-nos sem parar, a sair de nossos esquemas fechados, mentalidades ultrapassadas, formalismos frios, modos de agir arcaicos.
Uma criatividade ativa e fiel
Fidelidade criativa significa uma leitura atenta dos sinais dos tempos e abertura dócil a uma realidade em contínua mudança que define o campo de nossa criatividade. É a ousadia, motivada e sustentada pelo amor de Deus, mas também pelo zelo apostólico e por uma sensibilidade para perceber as novas necessidades do nosso tempo. Para isso é importante reconhecer o momento atual, espreitar possibilidades de mudança, que os horizontes sejam ampliados, que a imaginação seja desempoeirada, que os sentidos sejam ativados, que se renovem os tecidos da alma e sejam removidos os véus do espírito. Para que avancemos, como Anchieta, em direção às novas fronteiras do espaço sem limites, que nos espera aberto e acolhedor.
Isto consiste em colocar-nos nos passos de Deus, com suficiente visão da realidade para ir adiante, e com bastante disponibilidade para mudar de caminho quando o sopro do Espírito assim nos sugerir. Parafraseando o P. Kolvenbach, podemos afirmar: “a mediocridade não tem lugar na cosmovisão do seguidor de Jesus”.
Texto Bíblico Mt 4,18-25 / Mc 4,1-9 / Mt 9, 9-13
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