Ir. Douglas Turri, SJ
Sempre fiquei intrigado com o aviso solene que ecoa nas cartas direcionadas às sete igrejas do Apocalipse: “Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” (Ap 2,7,11,17,29; 3,6,13,22). Essa advertência parece carregar consigo um peso quase intimidador. E isso pode causar um certo receio, especialmente quando nossa mente começa a imaginar um cenário apocalíptico, cheio de desastres, juízo final e castigos. No entanto, esse trecho bíblico não se trata de ameaças ou punições, mas sim de um convite para absorver a verdade que está sendo transmitida. É como se fosse um chamado para despertar, para realmente ouvir e compreender a mensagem que está sendo comunicada.
O Convite para Refletir e Agir
Jesus também utilizava desse estilo de comunicação em seus ensinamentos, principalmente por meio das parábolas. Essas histórias não eram apenas contos simples, mas sim mensagens que nos convidavam a refletir e agir, buscando uma verdadeira transformação pessoal. Ao concluir a parábola do Semeador (Mt 13,9; Mc 4,9), por exemplo, Ele finalizou com a frase: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, como um convite à atenção plena, à escuta sincera e à compreensão profunda da mensagem transmitida.
Há aqueles, no entanto, que preferem não refletir e agir, muitas vezes escolhendo não compreender ou até mesmo fingindo que não ouviram, adotando a velha estratégia de se fazer de cego, surdo e mudo. Tal como o ditado diz, o pior cego é aquele que se recusa a ver, e o pior surdo é aquele que se fecha para escutar.
A Surdez Intencional e a Crise Ambiental
Em todos os níveis da igreja, incluindo bispos, padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas, vemos a persistência em ignorar os acontecimentos, minimizando as crises ambientais e sociais, diretamente relacionados, mesmo quando o Espírito nos convoca a trabalhar juntos, como instrumentos de Deus, para preservar a criação em prol da humanidade.
Continuando com o provérbio usado por Jesus “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, o Papa Francisco (LS 13) fez um apelo a toda a humanidade para uma renovação, um chamado para viver e uma oportunidade para o futuro:
Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós.
O entrave reside em que muitos recusam esse convite, justificando que a Igreja não tem motivo para se envolver com a abordagem de uma ecologia integral, que inclui o meio ambiente, o aspecto social, o político, o cultural, o dia a dia e o espiritual. Esse comportamento demonstra desinteresse, chegando até mesmo à agressão ao boicotar a convocação do Papa, espalhando mensagens falsas ou distorcidas.
Quanto a esses indivíduos, não vamos nos deter muito, pois já foram advertidos: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham as portas do Reino dos Céus para os homens. Vocês mesmos não entram e ainda impedem os que desejam entrar.” (Mt 23,13). Provocando um impedimento à disseminação de informação e conhecimento das orientações da Igreja sobre a relevância da proteção da Casa Comum.
Vamos direcionar nossa atenção para os irmãos e irmãs que reconhecem o sofrimento que permeia o mundo e o seu entorno, percebendo a crescente fragilidade de nossa casa comum. E, sobretudo, compreendem que a responsabilidade confiada por Deus a nós, ao nos escolher como seus instrumentos, deve ser exercida para zelar pela criação.
A Necessidade de uma Nova Ecologia Humana
Há muitas descobertas a serem feitas, conexões a serem estabelecidas, ideias a serem ponderadas, mas vamos começar pelo básico: quando se diz “Creio na Santa Igreja Católica”, está-se afirmando a crença na presença ininterrupta do Divino Espírito Santo dentro dela. No Apocalipse, o chamado “quem tem ouvidos, ouça” traz consigo um adendo: “o que o Espírito diz às igrejas”. Isso implica em seguir a ordem de escutar com atenção e obediência os ensinamentos do Espírito-Paráclito para a realidade atual, pois Ele não fala por conta própria, mas em total unidade com Jesus e o Pai, nos conduzindo pelo caminho da verdade plena.
O Espírito Santo continua a chamar com grande intensidade os fiéis e todas as pessoas de bom coração para despertarem para a compreensão urgente da necessidade de adotar um modo de vida fundamentado em uma ecologia integral – que implica em mudanças de hábitos, atitudes e mentalidades, incluindo a revisão dos valores éticos e morais de cada indivíduo, a fim de redefinir a relação atual entre o ser humano e o planeta. Nestes detalhes, as palavras de Francisco são mais uma vez destacadas e mostram-se muito pertinentes: “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo” (LS 18).
Renovação e Transformação em Cristo
Qual é o caminho para que tudo se faça novo? Vamos lembrar das palavras do apóstolo Paulo aos coríntios: ” Se alguém está em Cristo, é nova criatura. As coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova apareceu.” (2Cor 5,17). A própria Bíblia confirma que para vivenciarmos essa transformação, é essencial estar em sintonia com Cristo. Esse é o segredo fundamental para compreendermos como enxergar o mundo de uma maneira inovadora, com um olhar mais atento e responsável, que nos motiva a construir uma realidade que reflita verdadeiramente a imagem e semelhança de Deus, o Criador, a fonte de vida plena.
O chamado do Papa em suas encíclicas e intervenções é uma convocação e urgente e atual a todos nós. Diante da resistência de alguns em ouvir, é fundamental afirmar com firmeza: eu creio no que o Espírito Santo diz à Igreja! A mensagem de renovação e transformação está diante de nós, aguardando nossa resposta. Aquele que está no trono prometeu fazer novas todas as coisas, e estas palavras são fiéis e verdadeiras (Ap 21,5).