“Sonhando com uma única humanidade, todos em companhia de Jesus, poderemos valorizar a dignidade de cada ser humano, cada qual peregrino de sua própria geografia interna e todos os moradores na mesma casa comum.”
(Escrito por Elaine Azevedo Maria)
A conversão de Inácio se deu de forma contínua em sua vida. Conhecer a peregrinação que ele realizou, desbravando as suas motivações e intuições, faz com que cada ser humano possa, como em um espelho, desbravar sua própria geografia e abrir uma trilha para seu autoprocesso de conversão. Essa peregrinação, realizada de forma cristocêntrica, conduz necessariamente ao amor ao próximo, à fraternidade universal e à busca pela dignidade de todos os seres da casa comum.
A grande originalidade da peregrinação inaciana, que desbrava as trilhas internas de cada pessoa, se dá no desprendimento e na pobreza. Quando coloca como cerne do discernimento a vontade de Deus, o ser humano se desprende das suas ambições e sonhos, buscando em tudo a maior glória de Deus. A pobreza proposta por Inácio vai além do material, inclui a pobreza de quereres. É dispor, como diz a oração do santo, de tudo o que se tem e se possui. É perceber que tudo foi dado por Deus e, por isso, deve ser devolvido para a Sua maior glória.
É importante entender a diretriz de pobreza indicada por Inácio, em que colocar à disposição tudo o que se tem é um reconhecimento que Deus é o real detentor, e por isso nos cabe administrar as coisas que estão sob nossa responsabilidade. Muito mais que um desprendimento material, a indicação de Inácio propulsiona para que se possa ter maturidade para administrar o que nos foi dado.
A proposta de vida em movimento, de conversão contínua, de peregrinação interior e de disponibilidade absoluta pressupõe a maturidade do peregrino. E o amadurecimento do ser humano é um processo que se dá através da educação. Nessa perspectiva, a pedagogia de Paulo Freire, que instiga uma educação que valorize a autonomia, a liberdade, promovendo o encontro da utopia mobilizadora revestida de esperança com o conhecimento produzido pela vivência individual pode ser valiosa aliada da pedagogia inaciana. Uma educação que valorize o conhecimento e a experiência produz pessoas maduras que são capazes de fazer escolhas livres e conscientes.
A educação libertadora mobiliza o desprendimento da consciência limitante que promove a estagnação de pessoas e sociedades em padrões de comportamentos que aceitam a concentração de saberes e riquezas. Transforma os educandos, estimulando a construção do pensamento crítico, tornando-os sujeitos de suas próprias ações, integradas à realidade de forma participativa, crítica e propositiva.
Na vida peregrina de Inácio de Loyola, percebemos como ele foi sendo educado à medida que caminhava pela sua própria geografia. Se conhecendo, ordenando os seus afetos, ele pôde amadurecer e aprender a discernir, assumir decisões ousadas e criativas. Com desprendimento e liberdade, conseguiu ser fiel à proposta de Cristo, de ser radical no amor aos pobres e aos mais necessitados, na escolha consciente de caminho a seguir.
Cristo se deu a Inácio e se dá a nós como o próprio talento, como relatado na parábola dos talentos (Mt 25, 14-30). Somos chamados a permitir que os talentos se multipliquem em nós. Ao nos conectarmos com nossa própria identidade, descobrimos que Cristo já vive e atua em nós. Entretanto, é a plenificação da nossa entrega à peregrinação e à educação que faz com que Ele possa crescer, desenvolver e assim transbordar para o próximo. Conhecer o talento, que é a forma que Cristo se apresenta em nós, é a descoberta da plenitude que sempre fomos e nos motiva a sermos movimento para a transformação e superação das injustiças com os irmãos mais sofridos.
Inácio criou a Companhia de Jesus e esse nome já nos diz muito. Estar em companhia é ter consciência que ninguém se salva sozinho. A Companhia de Jesus nos impulsiona a buscar a comunhão, a fraternidade e a partilha dos pães. Paulo Freire dizia que “ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Esta frase do patrono da educação brasileira se junta à Fratelli Tutti, encíclica do Papa Francisco, que estimula a fraternidade e a amizade social para a sonhada salvação coletiva da humanidade. Sonhando com uma única humanidade, todos em companhia de Jesus, poderemos valorizar a dignidade de cada ser humano, cada qual peregrino de sua própria geografia interna e todos os moradores na mesma casa comum.
Texto Bíblico Mt 25, 14-30
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