Nos dois países africanos que visitou recentemente, o Papa compartilhou com os jesuítas locais suas preocupações sobre as guerras no mundo. Ele pediu um debate sinodal nessas regiões para encontrar maneiras de proteger o meio ambiente ameaçado pela exploração ilegal
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Os conflitos, a crueldade da violência, a proteção do patrimônio natural, os males da Igreja, o sonho da África: são alguns dos temas abordados pelo Papa Francisco nos encontros realizados com os jesuítas na República Democrática do Congo e no Sul Sudão, encontros que se tornaram fixos na agenda de suas viagens apostólicas.
O mundo inteiro está em guerra
No dia 02 de fevereiro de 2023, 82 jesuítas que trabalham na RD Congo, guiados pelo padre provincial Rigobert Kyungu, se encontraram com o Santo Padre na nunciatura, em Kinshasa. Dentre eles estava o jesuíta Donat Bafuidinsoni, bispo de Inongo. Na conversa, a questão da missão de reconciliação e justiça – uma das opções preferenciais da Companhia de Jesus – ganhou muita atenção. “Aqui é forte o tema do conflito, das lutas entre facções. Mas abramos os olhos ao mundo: o mundo inteiro está em guerra”, sublinhou Francisco, recordando as situações na Síria, Iêmen, Mianmar, América Latina, Ucrânia. “Será que a humanidade terá coragem, força ou mesmo oportunidade de voltar atrás? Segue-se adiante, adiante rumo ao abismo. Não sei: é uma pergunta que me faço. Lamento dizer isto, mas sou um pouco pessimista”, disse o Papa.
Produção de armas, difícil parar esta catástrofe
“Hoje, realmente parece que o principal problema seja a produção de armas. Ainda há tanta fome no mundo e nós continuamos a fabricar armas. É difícil voltar atrás dessa catástrofe. Pra não falar de armas atômicas! Acredito ainda num trabalho de persuasão”, são ainda as palavras do Pontífice aos jesuítas congoleses. Recordou as histórias das vítimas da violência que tanto o comoveu, uma crueldade inimaginável. Ele também repetiu aos jesuítas do Sudão do Sul: “Hoje, a nossa também é uma cultura pagã de guerra, onde importa quantas armas você tem. São todas formas de paganismo”, disse ele.
Bioma Congo, os bispos estão comprometidos em salvá-lo
O Papa se deteve na questão ambiental, com todas as suas recaídas econômicas, considerando a bacia do rio Congo, segundo pulmão verde do planeta depois da Amazônia, ameaçado pelo desmatamento, poluição e exploração intensa e ilegal. Questionado se poderia fazer um Sínodo sobre esta região como o da Amazônia, ele respondeu que não haverá um Sínodo, mas que certamente seria bom que a Conferência Episcopal se comprometesse sinodalmente em nível local, porque o equilíbrio planetário depende também da saúde do bioma do Congo.
A Igreja não é uma multinacional da espiritualidade
Das liturgias vividas no país, expressou o seu apreço pelo rito congolês porque, disse, é uma obra de arte, uma obra-prima, realizada não como uma adaptação, mas como “uma realidade poética, criativa”. Em seguida, voltou à imagem da Igreja como um hospital de campanha, enfatizando que uma das piores coisas na Igreja é o autoritarismo, “espelho de uma sociedade ferida pela mundanidade e pela corrupção”. E acrescentou: “A Igreja não é uma multinacional da espiritualidade. Olhem os santos! Curem, cuidem das feridas que o mundo vive! Sirvam as pessoas! A palavra servir» é muito inaciana. «Em tudo, amar e servir» é o lema inaciano. Quero uma Igreja do serviço”.
Preparativos para o aniversário do Concílio de Nicéia
O Papa se projetou para 2025, quando será celebrado o aniversário de 1.700 anos do primeiro Concílio de Nicéia. Ele mencionou que com o Patriarca Bartolomeu I estão em andamento os preparativos para celebrá-lo “como irmãos”, na esperança de chegar a um acordo para a data da Páscoa. Além disso, o tema da renúncia foi mais uma vez levado ao Papa. Ele não acha que os Papas que renunciam devam se tornar uma coisa normal: “Bento teve a coragem de fazê-lo porque não queria continuar devido à sua saúde. No momento, não tenho isso na minha agenda. Acredito que o ministério de Papa sia ad vitam. Não vejo nenhuma razão para que não seja assim.” Francisco pensa dessa maneira também para o cargo de superior geral da Companhia: “Sim, nisso sou conservador”, disse ele.
África precisa de políticos não corruptos
No Sudão do Sul, no dia 4 de fevereiro, Francisco teve um encontro em Juba com os 11 jesuítas que trabalham no país e o padre Kizito Kiyimba, superior da Província da África Oriental, que inclui Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Uganda, Quênia e Tanzânia. A África deve crescer, não deve ser explorada: este foi o sonho expresso ali pelo Papa para o continente, tema sobre o qual já havia interagido, em novembro passado, num encontro on-line com estudantes africanos. “Vivo a lembrança daqueles testemunhos que revelaram uma inteligência brilhante. A África precisa de políticos que sejam pessoas boas, inteligentes, que façam crescer seus países. Políticos que não se deixem levar pela corrupção. A corrupção política não deixa espaço para o crescimento do país, ela o destrói”, repetiu com seus confrades.
Arrupe, o processo de beatificação continua
Também houve espaço para falar sobre o processo de beatificação do padre Arrupe, com os jesuítas no Sudão do Sul. “A causa dele vai adiante”, disse ele, “porque uma das etapas já foi concluída. Falei sobre isso com o padre geral. O maior problema diz respeito aos escritos do padre Arrupe. Ele escreveu muito e tudo deve ser lido. Isso atrasa o processo”. Recordar sua figura deu também ao Papa a oportunidade de sublinhar a importância da oração, uma oração que se encarna sempre nas exigências da realidade em que nos encontramos imersos. “Tenho medo dos pregadores de oração que fazem orações abstratas, teóricas, que falam, falam, falam, mas com palavras vazias”, ressaltou Francisco, destacando a oração que, junto com a coragem e a ternura, Santo Inácio queria nos jesuítas. Este é o convite do Papa também aos seus companheiros de hoje.