Juventudes, Escola e o novoEnsino Médio: As Culturas Escolares em Debate 

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Wagner Scopel Falcão

A escola é um espaço sociocultural composto por múltiplos atores, como estudantes, profissionais da educação, família, comunidade… e, a depender da característica da instituição, gestores públicos, religiosos etc. Mas, de todos esses atores, em um está a centralidade e a razão pela qual essa estrutura existe: os estudantes. Não há escola sem eles. 

O atual modelo escolar ocidental expandiu-se pelo mundo no século passado. Uma rápida observação comparativa entre diferentes sistemas nacionais de ensino nos permite encontrar aproximações entre eles. Aproximações não significam cópia, nem transferência de ideias, tampouco igualdades. São, antes, elementos comuns que permeiam o que definimos hoje como escola em diferentes lugares do mundo. Um desses está na estruturação do modelo. Como exemplo, no Brasil, a educação básica está organizada em três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Em Portugal, encontramos certa aproximação ao sistema brasileiro, com creches, educação pré-escolar, ensino básico e ensino secundário. O que chamamos de ensino médio no Brasil e ensino secundário em Portugal aproxima-se do chamado High School nos Estados Unidos. E por aí vai… 

Aproximações, como já explicitamos, não significam igualdade. A busca pela compreensão dessas aproximações entre diferentes lugares é uma característica do campo da educação comparada e é destacada pelo professor português Antônio Gomes Ferreira. Para o autor, o que importa em uma pesquisa comparada é que ela “[…] se faça tendo em conta contextos diferentes para se poder estabelecer o que há de diferente e de semelhante, o que diferencia e aproxima, na tentativa de compreender as razões que determinam as situações encontradas” (FERREIRA, António Gomes. O sentido da Educação Comparada: Uma compreensão sobre a construção de uma identidade. p. 125). Assim, poderíamos nos perguntar: como as juventudes e o que chamamos, no Brasil, de ensino médio têm sido pensados em diferentes lugares do mundo? 

Por ora, antes de quaisquer tentativas de comparação entre sistemas ou estruturas de ensino, cabe-nos, inicialmente, olhar para dentro das suas próprias estruturas, de compreender as suas lógicas internas. O professor espanhol Antonio Viñao Frago nos auxilia nesse processo com o conceito de cultura escolar. Para o autor, a cultura escolar é 

[…] um conjunto de modos de fazer e pensar, de crenças e práticas, de mentalidades e comportamentos sedimentados ao longo do tempo e compartilhados no seio das instituições educativas, que se transmitem aos novos membros da comunidade escolar, em especial aos professores e alunos, e que proporcionam estratégias para se integrar nelas, interagir e realizar, sobretudo na sala de aula, as tarefas cotidianas que se esperam de cada um, bem como, ao mesmo tempo, enfrentar as exigências e limitações que implicam ou acarretam. (VIÑAO FRAGO, António. Culturas escolares, reformas e innovaciones: entre la tradición y el cambio. p. 23. tradução nossa). 

Na sequência, o professor espanhol Agustín Escolano Benito (2017) aponta a existência de três tipos de culturas escolares, que se relacionam entre si: a cultura empírica, que corresponde ao cotidiano escolar; a cultura política/normativa, que são as leis e documentos oficiais produzidos pelo Estado; e a cultura acadêmica, que é a produzida nas universidades e centros de pesquisa. Quando tratamos do Novo Ensino Médio brasileiro (NEM) – tema das nossas conversas de setembro aqui na Rede Inaciana de Juventudes – ele não pode ser compreendido apenas pelas leis e demais documentos oficiais. Ele precisa ser estudado, pensado e debatido a partir da interação dessas três culturas escolares. 

No primeiro artigo do mês, fizemos uma breve revisão histórica do NEM, onde observamos que, já primeira metade da década de 2010 havia debates no legislativo nacional, inclusive com proposições de lei, para realizar alterações nessa etapa do ensino brasileiro. Mas, foi somente em 2016, por meio de uma Medida Provisória – a MP nº 746/2016 – que houve a efetivação dessas mudanças. Todavia, será que uma MP ou uma lei – expressão da cultura política/normativa – é capaz, por si só, de gerar mudanças na sociedade, neste caso, nas culturas empíricas escolares? 

Há, sim, certas obrigatoriedades estruturais que as escolas precisam cumprir, como, no caso do NEM, a organização das disciplinas escolares, dos itinerários formativos etc. Mas é a cultura empírica que, de fato, dá sentido e significado à existência da escola, pois é ali, nos cotidianos escolares, que as práticas pedagógicas se realizam. É no dia a dia, por meio das aulas, dos projetos, das avaliações, das conversas, do recreio, das atividades culturais e esportivas etc., que os saberes são produzidos e circulam. É claro que a produção científica das universidades (cultura acadêmica) e os documentos do Estado (cultura política/normativa) influenciam as práticas escolares, mas é na cultura empírica onde tudo se consolida. 

Quando falamos do NEM, é claro que precisamos nos atentar aos documentos que o orientam, como a LDB, a Lei nº 13.415/2017, a BNCC, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a Lei nº 14.945/2024 (Brasil, 1996, 2017, 2018a, 2018b, 2024). No entanto, eles não podem, nem pretendem, ser guias universais a serem simplesmente transpostos para a escola. São documentos orientadores que regem e conduzem a nossa caminhada, mas quem caminha somos nós, os atores da cultura empírica escolar. 

Trabalhar com as juventudes é ir além do prescrito, é bem mais do que tentar colocar em prática as proposições oficiais. O trabalho com os jovens, para nós, profissionais da educação, requer compreender as multiplicidades existentes dentro do ambiente escolar. É também olhar individualmente para cada sujeito, possibilitando torná-lo protagonista de sua própria história. Quando trabalhamos com o ensino médio, em que os estudantes estão em uma faixa etária aproximada de 14 a 18 anos, precisamos construir práticas escolares que os situem no mundo atual, para que consigam ler o mundo e a si mesmos de forma crítica, construtiva e criativa. 

O ensino médio precisa ser pensado para acolher, compreender e dialogar com os estudantes, e não para reprimi-los ou excluí-los. É necessário romper com o modelo que promove apagamentos e investir em práticas que favoreçam o protagonismo dos jovens em suas próprias histórias. 

REFERÊNCIAS: 

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm>. Acesso em 15 set. 2025. 

BRASIL. Lei nº 14.945, de 31 de julho de 2024. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a fim de definir diretrizes para o ensino médio, e as Leis nºs 14.818, de 16 de janeiro de 2024, 12.711, de 29 de agosto de 2012, 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e 14.640, de 31 de julho de 2023. Brasília, 2024. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2024/lei-14945-31-julho-2024-796017-publicacaooriginal-172512-pl.html>. Acesso em 15 set. 2025. 

BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro 2016. Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei n º 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm>. Acesso em 15 set. 2025. 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018a. Acesso em: 15 set. 2025. 

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2018b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003-18/file>. Acesso em 15 set. 2025. 

ESCOLANO BENITO, Augustín. La Escuela como Cultura: experiencia, memoria, arqueologia. Campinas: Alínea, 2017. 

FERREIRA, António Gomes. O sentido da Educação Comparada: Uma compreensão sobre a construção de uma identidade. Educação, [S. l.], v. 31, n. 2, 2008. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/2764>. Acesso em 15 set. 2025. 

VIÑAO FRAGO, António. Culturas escolares, reformas e innovaciones: entre la tradición y el cambio. In: La construcción de una nueva cultura en los centros educativos. Murcia: VIII Jornadas Estatales del Forum Europeo de Administradores de la Educación, 1996. p. 19-29. 

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