Dia 21 de Janeiro nos recorda três pontos importantes da história: o Dia Mundial da Religião, criado em dezembro de 1949, através de uma Assembleia Religiosa Nacional dos Baha’is; o falecimento de Mãe Gilda, sacerdotisa do Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador (BA), vítima do racismo religioso; e a instituição da Lei nº 11.635, em dezembro de 2007, marcando o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
O objetivo da memória destes marcos religiosos é promover o respeito, a tolerância e o diálogo entre as mais diversas religiões existentes no mundo, que, a partir de uma unidade inconsciente, pregam como princípios a bondade, a liberdade e o amor. É trazer de maneira clara a existência desse elo que as une, independente das formas diferentes de expressar a fé.
Mas como nos comportamos diante das outras religiões? Com seus cultos, ritos e expressões que diferem da nossa prática de fé? Sejam cristãos ou não, acolhemos naturalmente nossos irmãos e irmãs? Ou ainda temos bloqueios, dúvidas, preconceitos e medos do diferente?
Alguns dados
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que a população global chegou a 7,7 bilhões de pessoas em abril de 2019. Os católicos batizados no mundo representam quase 18% da população, segundo pesquisa do Vaticano em 2017. Vamos considerar que você, leitor ou leitora, seja católico/a. A primeira reflexão que trazemos é essa, que 82% (mais de 6 bilhões) de todos os seres humanos no planeta não são católicos, ou não acreditam no mesmo deus que você, ou têm práticas religiosas diferentes das suas práticas, ou não têm religião alguma.
Ainda lançando um olhar para os números, mas agora dentro do nosso país, vemos que, de acordo com pesquisa Datafolha, publicada no último dia 13 de janeiro do ano vigente, 50% dos brasileiros são católicos. Facilmente conseguimos entender que os outros 50% (mais de 105 milhões de pessoas) não são católicos. São eles 31% protestantes, 3% espíritas, 2% da umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras, 10% sem religião e 4% ainda de outras denominações ou ateus. E esta é a segunda reflexão, que metade da população do nosso país não é católica, ou não acreditam no mesmo deus que você, ou têm práticas religiosas diferentes das suas práticas, ou não têm religião alguma.
Contrários a essa riqueza de pluralidade, também visualizamos dados de atos que insistem em não acolher essa diversidade religiosa. O Disque Direitos Humanos, canal do Governo Federal para denúncias que violam direitos humanos, registrou mais de 500 casos de intolerância religiosa no país em 2019. Já para a Polícia Civil, somente no estado de São Paulo, no ano de 2019, os casos de intolerância religiosa registrados cresceram 21,75%, com 3.969 casos registrados. Na Paraíba, o registro de casos de intolerância religiosa cresceu 984% nos últimos 5 anos, divulgou o Fórum Paraibano da Diversidade Religiosa. Vale lembrar que esses números não incluem casos que não foram registrados em delegacias ou canais de denúncias.
Dentro deste panorama
“A gravidade desses fenômenos não nos pode deixar indiferentes. Todos somos chamados, em nossos respectivos papéis, a cultivar e a promover o respeito pela dignidade intrínseca de cada pessoa humana” (Papa Francisco em discurso na Conferência Mundial sobre Xenofobia, Racismo e Nacionalismos Populistas, Roma, setembro de 2018).
Quantas pessoas conhecemos na vida? 500, 1000, 5000? Parentes, amigos, colegas, no colégio ou universidade, trabalho, igreja e ambientes de lazer, viagens, conexões online, aquela pessoa que vemos todo dia no ônibus. São centenas de pessoas ao nosso redor. Porém, nos aproximamos normalmente de pessoas que partilham nossas características, gostos, ambientes que frequentamos. Por exemplo, nossa família viva tende a ter uma mesma cor de pele que a nossa; nossos amigos normalmente gostam de músicas, séries ou hobbies semelhantes aos nossos gostos; os fiéis que frequentam a igreja que participamos provavelmente são da mesma religião que a nossa. Mesmo com muitas vidas conectadas à nossa, naturalmente ficamos limitados a conhecer aquilo que cerca nossa história e caminhada. Talvez aí está o primeiro passo dessa possível tolerância e harmonia religiosa: conhecer, para acolher e assim amar as demais expressões de fé. E isso não tem a ver com mudar de religião, mas tomar consciência dessa pluralidade, buscar compreender o que nos difere e principalmente o que nos une, para assim amar àquelas e àqueles que são nossas irmãs e irmãos, independente da religião praticada.
Santo Inácio, no Princípio e Fundamento dos Exercícios Espirituais, nos convida a viver com a consciência de que a Criação foi feita para ser compartilhada, para todas e todos. E que nela, juntos, podemos desejar e escolher aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados [EE 23]. “Quando vier o que é perfeito, desaparecerá o que é limitado” (1Cor 13,10). Somos livres para optar aonde louvar, servir e seguir essa perfeição, esse mistério, esse chamado que pulsa dentro de nós. Afinal, o mistério divino para cada religião não são deuses querendo se esconder, mas é vida digna em abundância que se revela em milhões de expressões.
Para onde vamos
Dentro do Programa MAGIS Brasil, temos experiências concretas de como é possível, necessária e construtiva essa aproximação com as demais religiões. No país, ao longo dos últimos anos, podemos vislumbrar essas ações que convidam os/as jovens a serem mais.
O Espaço MAGIS Teresina, no coração piauiense, vem construindo desde 2017 um caminho de diálogo, colaboração e fraternidade entre a fé católica e o Candomblé. No estreitamento, que envolve conhecimento, encantamento, valorização e desconstrução de preconceitos, no mês da Consciência Negra, o Espaço visita uma casa de Candomblé, também na capital do Piauí, onde são muito bem acolhidos pela Mãe Edarlane de Ayrá, a mãe de Santo mais jovem do Piauí. É um espaço de reconhecer a importância da religião do outro, de perceber a presença de Deus numa religião diferente da qual nós professamos, além de reconhecer o valor histórico, social e cultural para a constituição da história do Brasil.
https://youtu.be/6yry905TIww?t=660
O Centro MAGIS Anchietanum, na capital paulista, nos últimos anos vem realizando atividades de fomentação do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e dessa consciência da pluralidade de expressões de fé. Por exemplo a Vigília da Unidade, atividade que acontece sempre antecedendo a Festa de Pentecostes, reunindo lideranças de diferentes denominações cristãs, impulsionados pela a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC). Contando com a presença de fiéis e líderes da Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Apostólica Armênia, Igreja Presbiteriana e Igreja Anglicana, juntos, todos puderam rezar a partir de temas em comum, como a superação da intolerância religiosa e a unidade de todos os cristãos.
Também em 2019, o MAGIS Brasil destinou jovens de diversos locais do país para Alagoinhas (BA), onde puderam experimentar e aprofundar a espiritualidade da Comunidade Ecumênica de Taizé. Essa comunidade, que tem sua origem na França, se faz presente nessa cidade do interior da Bahia atendendo necessidades espirituais e físicas da comunidade local, para pessoas, em sua maioria, de religião católica, protestante e espírita. Durante sete dias no mês de julho eles testemunharam, a partir de formações, orações comunitárias e inserção social, esse Deus que se revela de diversas formas, mas nos une para um mesmo propósito – amar e servir.
Jesus, em diversas passagens da bíblia, nos convida a estar com Ele porque o Reino está próximo. Mas será que esse Reino acontece só para as pessoas da nossa religião? Peçamos a Deus a graça de reconhecer que n’Ele somos todos irmãs e irmãos, independente de onde, quando e como professamos nossa fé!