Alessandra Aparecida Custodio
Peregrino: o dicionário nos ensina que esse termo, tanto adjetivo quanto substantivo, designa aquele que anda, que viaja, especialmente em direção a um lugar sagrado, movido por fé ou devoção. À primeira vista, é fácil imaginar Inácio de Loyola como um viajante: um soldado determinado, sedento por grandeza e reconhecimento. Todavia, compreendê-lo como peregrino exige um olhar mais profundo.
Ser peregrino não é apenas mudar de lugar, mas permitir que o caminho nos transforme. Inácio não apenas percorreu estradas físicas, mas trilhou uma jornada interior que o desfez e o refez. De cavaleiro vaidoso, tornou-se homem de Deus, de buscador de glórias terrenas, passou a ser instrumento de uma missão maior.
Ver Inácio como peregrino é reconhecer que sua caminhada não foi apenas pessoal, mas, sobretudo, profética. Ele se deixou moldar pelo caminho para, mais tarde, ser ele mesmo meio de colaboração para transformação de muitos no caminho da vida. Sua vida nos convida a refletir: estamos apenas nos movendo pelo mundo, ou estamos nos deixando mover por dentro? É um convite a contemplar o caminho percorrido por ele, para também nós nos fazermos peregrinos e nos colocarmos a caminho, deixando-nos guiar pelo Espírito.
Ao ser ferido na batalha de Pamplona, Inácio não foi atingido apenas no corpo, mas na alma. A dor que o lançou na escuridão tornou-se o ponto de partida de um caminho de conversão. Na vulnerabilidade da ferida, ele encontrou a força para uma transformação interior profunda. Aquilo que parecia derrota revelou-se como o início de uma nova vida, onde a luz da fé começou a brilhar com mais intensidade do que nunca. O Senhor lhe apresentou novos caminhos, ideais e sonhos que o conduziram por trilhas muito diferentes daquelas que ele havia desejado ou imaginado. E, embora inesperados, esses caminhos revelaram-se cheios de propósito, graça e transformação.
As juventudes caminham por trilhas desafiadoras, onde sonhos e desejos pulsantes muitas vezes colidem com a dureza da realidade. Em seus olhos, brilham esperanças de um futuro mais justo, mais livre, mais colorido. Mas o caminho é sinuoso. Volta e meia, esses sonhos são postos à prova, pelas grandes ilusões vendidas como verdades, pela ausência de oportunidades reais, pela desigualdade que insiste em apagar vozes e limitar horizontes. É um conviver constante entre os contrastes das dificuldades e os lampejos de cor que surgem na arte, na resistência, na coletividade.
Mesmo diante das sombras, a juventude insiste em florescer. Reinventa-se. Cria espaços de expressão, transforma dor em poesia, silêncio em grito, invisibilidade em presença. Cada passo é um ato de coragem. Cada cor, uma afirmação de vida. Porque, apesar de tudo, os dias coloridos ainda nascem e são estes que mantêm viva a chama de quem acredita que o mundo pode, sim, ser diferente.
A vida nos impulsiona, mesmo quando sentimos estar andando na contramão. Ao contemplar o jovem Inácio, com apenas 30 anos, iniciando um novo caminho de peregrinação, somos convidados a enxergar nossa própria jornada com outros olhos. Sua história nos inspira a perceber que cada momento é uma oportunidade de recomeço de nos aproximarmos das pequenas, mas significativas mudanças que, ao longo do tempo, também percorremos. Assim como ele, somos chamados a trilhar novas vias, a nos deixar transformar, e a encontrar sentido mesmo nos desvios do caminho.
Há mais de 500 anos, Inácio de Loyola
Foi ferido em uma batalha em Pamplona.
Uma bala de canhão o atingiu ferindo gravemente a perna,
ferindo seus sonhos
Seus desejos sua ambição. Durante o longo período de tratamento, repouso,
Aprendeu a ver a realidade com olhos diferentes
E ao ver de forma diferente encontrou Jesus
que o mudou totalmente.
Mesmo após sua conversão, os desejos mais profundos de Inácio permaneciam elevados. Ele compreendia que estar com o Mestre era mais do que apenas seguir seus ensinamentos era desejar caminhar por onde Ele passou. O DNA de Peregrino, impresso em sua alma, fazia com que não medisse esforços para alcançar aquilo que buscava com ardor. Foi esse impulso interior que o levou a Jerusalém não apenas como um destino geográfico. Como um lugar sagrado onde, mesmo que distantes no tempo, as pegadas de Cristo ainda deixam rastros vivos na história.
Para Inácio, cada passo era uma oração, cada jornada, uma entrega. E, assim, sua peregrinação tornou-se símbolo de uma busca incessante por Deus, onde o coração não se acomoda, mas se lança, sempre mais, ao encontro do Eterno. No entanto, foi percebendo que Jerusalém se tornou pequena para a explosão que é Cristo, esse Deus por quem se apaixonou e foi conquistado por Ele, habita em todo lugar, abraça os tempos, ultrapassa os espaços, envolve tudo e todos.
Foi assim que se tornou um peregrino do amor. Ao contemplar a grandeza de um Deus que acolhe a todos sem distinção, seu coração não pôde mais permanecer imóvel. Impulsionado por essa descoberta, partiu em busca não apenas por estradas e cidades, mas para dentro de si mesmo. Percorreu longos caminhos, atravessou povoados e fronteiras, porém o trajeto mais profundo foi aquele trilhado em sua interioridade. Ali, no silêncio interior, encontrou o verdadeiro sentido da fé e o caminho do discernimento espiritual. Uma jornada que não termina, pois quem ama verdadeiramente está sempre a caminho.
Inácio é para nós um verdadeiro peregrino consolador. Ele nos anima, nos fortalece e nos impulsiona a Ser Mais Com e Para os Demais. Com sua vida e seus ensinamentos, somos encorajados a ter coragem para peregrinar dentro de nossos próprios corações, descobrindo, passo a passo, o sentido mais profundo da vida: o amor pulsante de Deus por cada um de nós.
Ao partilhar conosco os Exercícios Espirituais seu tesouro de encontro com Deus, Inácio nos convida pessoalmente, a mim e a você, a não termos medo de mergulhar nas profundezas do nosso ser. Ele nos ensina a perceber que fomos criados para o amor, e que somos chamados a saborear todas as coisas, reconhecendo nelas a presença viva de Deus (EE 23).
Inácio tornou-se um homem transformado. Abandonou tudo aquilo que o impedia de encontrar-se verdadeiramente com o Senhor. A partir desse encontro profundo, passou a viver uma íntima comunhão com Cristo. Seus olhos foram abertos pela luz do Espírito, e ele passou a enxergar o mundo com um olhar de fé. Essa nova visão despertou nele um único e ardente desejo: ajudar os outros. Sua vida ganhou um novo sentido realizar a obra de Deus no mundo, colocando-se inteiramente a serviço do Reino. Em tudo, buscava amar e servir, guiado pela certeza de que Deus pode ser encontrado em todas as coisas.
Sentiu-se amado …. encontrado pelo Senhor!
Toma, Senhor, e recebe toda a minha liberdade, minha memória,
meu entendimento e toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo.
Tu me deste tudo. A Ti, Senhor, eu o devolvo.
Tudo é Teu, dispõe dele inteiramente segundo a Tua vontade.
Dá-me o Teu amor e a Tua graça, pois isso me basta.
Santo Inácio de Loyola
Para refletir:
- Você se sente amado por Deus?
- O que move seu coração?
- Para onde você se sente chamado a direcionar seu coração?
REFERÊNCIAS
- SOSA, Arturo, SJ. A Caminho com Inácio. São Paulo: Loyola, 2021.
- IVES, Michael SJ. Compreendendo os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 2024.
- RAMBA, Josep. Ignacio de Loyola, peregrino y guia. Centro de Pastoral Litúrgica.
- CARAVIAS, José L. SJ. MAGIS subsídios, Exercícios Espirituais para grupos. Guia de ajuda para leigos de comunidades cristãs. Rio de Janeiro: Centro Loyola de Fé e Cultura.