O lugar em Deus, onde repousa o coração que O busca, é a vocação. A esse lugar, como um destino, somos atraídos pelo amor de Cristo, que fere o coração de quem O procura. — Eduardo Amaral, SJ
Pe. Pedro Rocha Mendes, sj (publicado no site pontosj.pt)
Há algumas semanas, passei alguns dias no mosteiro das Monjas de Belém. A vida dessas mulheres, escondidas no silêncio e com uma alegria ao viver uma realidade que nos parece tão incomum, me fez refletir profundamente. O que as leva à solidão? Percebo que, em um movimento que escapa à nossa lógica, elas foram atraídas, seduzidas pelo amor de Cristo. Fazem-me lembrar a passagem de Oséias: “É assim que a vou seduzir: atrai-la-ei ao deserto, para lhe falar ao coração” (Os 2, 16).
Ao lado disso, percebo que, muitas vezes, ao falarmos de vocação e discernimento, nossa linguagem se volta para a importância de tomar boas decisões, de entender racionalmente o que esse Deus em quem acreditamos nos pede. Cremos que Ele tem para nós desejos e que nossa alegria é mais completa quanto mais nossa vida se assemelha ao que Ele sonha para nós. E tudo isso é verdade.
Contudo, na vida íntima de cada mulher e de cada homem, existe um ponto, profundamente interior e divino, que não pode ser totalmente compreendido apenas por um modo “sistemático” de pensar a vocação. A memória — que guarda os momentos e a maneira como Deus nos tocou o coração —, o entendimento — que tenta entender qual caminho de vida se alinha a esses toques —, e a vontade — que deseja o caminho para o qual Deus quer nos conduzir —, não bastam se faltar o essencial: o amor de Cristo que atrai.
Compreendi que essas mulheres, escondidas no silêncio, estão também escondidas no amor de Deus, como noivas que aguardam o Esposo-Cristo. A vocação delas me lembra que, acima de tudo, é o amor que impulsiona e ocupa o primeiro lugar.
Acreditamos que Cristo é o Mestre, o Amigo, o Senhor, o Pastor, Aquele a quem seguimos e anunciamos. Mas lembramos que Ele também é o Esposo? Seja para mulheres (como elas) ou homens (como eu), Cristo é o Esposo! Talvez, para os homens, com certo pudor, chamemos a Ele de “Esposo da alma”, como fez São João da Cruz no Cântico Espiritual. De qualquer forma, chamá-Lo de Esposo é reconhecer que o amor de Deus carrega uma dimensão de atração e enamoramento.
E quando falamos de Esposo, é no amor que toda vocação passa a ser compreendida. Assim, procurá-la e descobri-la é seguir atraídos por um amor que deseja ser completo e não dispensa o eros (de onde vem a palavra erotismo), ou seja, sua dimensão de atração e desejo, pois Cristo é atraente. Ele é o Amado que fere o coração de quem ama. Essa ferida nos dá duas coisas: o desejo de buscá-Lo, pois a ferida pede para ser preenchida, e uma marca de pertença, pois a carência (a ferida) é sinal de amor. Se Ele rouba o coração pelo amor com que nos ama, este agora Lhe pertence.
Assim, discernir a vocação é buscar esse lugar em Cristo onde o coração de cada um está guardado. Em essência, é um encontro com nosso próprio coração, que, mais do que nosso, é d’Aquele que o guarda desde sempre. Nessa busca, O amamos e, por isso, nosso amor também O fere. Cristo também está ferido de amor por nós. Ele nos diz: “Roubaste-me o coração com um só dos teus olhares” (Cântico dos Cânticos 4, 9), aquele “olhar límpido cuja visão clara fere de amor o Esposo” (Carta de S. Bruno a Raúl Le Verd).
Nosso desejo de descobrir a que somos chamados, seja qual for o chamado, carrega sempre essa marca de um coração ferido pelo amor de Cristo, que nos atrai ao lugar onde mais podemos amá-Lo e onde mais sabemos ser amados. Esse lugar em Deus, onde repousa o coração que O busca, é a vocação.