Wagner Scopel Falcão
Nas últimas semanas refletimos nos artigos sobre os desafios e as potencialidades no trabalho com as nossas juventudes, em especial, a partir da reforma brasileira do ensino médio de 2016-2017, que ficou conhecida como Novo Ensino Médio (NEM). O trabalho com as juventudes nos ambientes escolares é parte fundamental da construção de uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Mas a pergunta que, na maioria das vezes, ecoa entre os profissionais da educação é: como trabalhar?
De fato, não há uma receita pronta para tal. Se fôssemos fazer um bolo, poderíamos usar uma receita da Ana Maria Braga, da Palmirinha, do chef Diego Lozano ou qualquer outra que nos fosse ensinada. Compraríamos os ingredientes, seguiríamos as técnicas e os passos e, pronto: o bolo estaria pronto para comer. Talvez alguns ajustes aqui e ali por conta dos equipamentos, mas o bolo estaria nos esperando junto com um cafezinho quentinho. Porém, a depender do cozinheiro, o bolo poderia apresentar as suas diferenças. Essas diferenças vêm porque além do passo a passo – da receita – para fazer um bolo caseiro há a necessidade de alguém, de um ser humano.
No ambiente escolar é a mesma coisa: trabalhamos com seres humanos. É claro que não precisamos reinventar a roda, pois podemos aprender nas trocas, nos estudos, com os livros e com a internet. Já existem, por exemplo, milhares de planos de aula disponíveis mundo afora. Porém, é na cultura empírica escolar que a prática pedagógica se consolida, e ela não é unitária, nem mesmo binária: é plural, rica de subjetividades, de histórias de vida, de seres pensantes e criativos (Escolano Benito, Augustín. La Escuela como Cultura: experiencia, memoria, arqueologia).
Sem, neste momento, entrar no mérito de se somos ou fomos favoráveis ou contrários ao NEM, vamos tomá-lo como uma realidade, pois já se passaram nove anos da publicação da MP nº 746/2016 e oito da Lei nº 13.415/2017. Partindo da atualização mais recente da referida lei, por meio da Lei nº 14.945/2024, dentre suas proposições encontramos a promoção de metodologias investigativas no processo de ensino e aprendizagem, a definição das áreas do conhecimento, a validação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o asseguramento das comunidades indígenas quanto à utilização das línguas maternas etc. Há, sim, que considerarmos os avanços que a cultura normativa trouxe para a educação brasileira.
Obviamente, uma lei ou um documento curricular, como a BNCC, não é a salvação de um sistema nacional de ensino nem mesmo de uma escola. São prescrições do Estado em busca de direções a serem tomadas. Paralelamente, devem ocorrer investimentos na carreira docente, na infraestrutura escolar, na gestão pública e privada do ensino, nas políticas de assistência estudantil, na formação inicial e continuada dos profissionais da educação, bem como em outras frentes. No que tange à formação, o desenvolvimento tecnológico, em especial a partir de meados do século XX, com a Terceira Revolução Industrial, impulsionou e intensificou as transformações tecnológicas, sociais e culturais pelo mundo e, consequentemente, as juventudes, imersas nessa realidade, são sujeitas ao que o mundo e as tecnologias lhes colocam. Aí está a grande chave da educação: fazer com que eles se reconheçam no mundo como sujeitos críticos e ativos.
A BNCC, por exemplo, apresenta que o foco na equidade deve ser uma das premissas dos sistemas de ensino e das instituições escolares, com vistas a combater desigualdades educacionais em relação ao acesso à escola (Brasil, 2018), e essa é uma função dos gestores públicos e privados do ensino, bem como de todos os profissionais da educação. Cada aula planejada, cada almoço preparado na cozinha, cada organização do turno escolar etc. precisa ser pensado por e para os estudantes. Uma aula de matemática deve, sim, seguir as orientações previstas na BNCC, mas sempre pensando em como contextualizá-la, em acompanhar de perto os desafios, potencialidades e especificidades que cada estudante possui. Há, sim, modelos pedagógicos, planos de aulas prontos, ideias já colocadas em prática, mas ser profissional da educação significa ir além de cópias e transferências: significa colocar-se como sujeito crítico do local em que trabalha, pensando, criando e recriando diariamente nossas práticas, para que elas possam ser significativas na vida de cada estudante.
É claro que estudar a equação do 2º grau, os fundamentos do futsal, as revoluções industriais, a pré-história, as mitocôndrias, os modal verbs e tudo mais que compõe o currículo prescrito é importante. Mas, é papel de cada professor tornar os conteúdos das disciplinas escolares cada vez mais relevantes, fazendo sentido para as juventudes. A escola precisa pensar em atividades, ações, programas e projetos nos quais o estudante deixe de ser um mero receptor de informações e assuma seu papel de protagonista. Fazer por e para os estudantes é pensar e amar o próximo e, consequentemente, no coletivo, buscando construir uma sociedade mais justa e igualitária, assim como Cristo nos ensinou: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 35).
Amar cada estudante significa respeitar sua individualidade, apoiar suas dificuldades e potencializar suas habilidades, talentos e sonhos. Esse acolhimento, esse olhar de respeito ao humano, é o que transforma a sociedade. E essa é a finalidade da educação: construir um mundo com justiça e equidade. Finalizo com o que venho reafirmando ao longo das últimas semanas: a escola precisa ser pensada para acolher, compreender e dialogar com os estudantes, e não para reprimi-los ou excluí-los. É necessário romper com o modelo que promove apagamentos e investir em práticas que favoreçam o protagonismo dos jovens em suas próprias histórias.
Referências:
BÍBLIA. Disponível em: <https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/i-sao-joao/4/>. Acesso em 15 set. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.945, de 31 de julho de 2024. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a fim de definir diretrizes para o ensino médio, e as Leis nºs 14.818, de 16 de janeiro de 2024, 12.711, de 29 de agosto de 2012, 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e 14.640, de 31 de julho de 2023. Brasília, 2024. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2024/lei-14945-31-julho-2024-796017-publicacaooriginal-172512-pl.html>. Acesso em 15 set. 2025.
BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro 2016.Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei n º 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm>. Acesso em 15 set. 2025.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Acesso em 15 set. 2025.
ESCOLANO BENITO, Augustín. La Escuela como Cultura: experiencia, memoria, arqueologia. Campinas: Alínea, 2017.








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cuurso de formaçao sobre direitos humanos e pessoas em situaçao de rua
cuurso de formaçao sobre direitos humanos e pessoas em situaçao de rua
quero participar da formaçaoo promovida pelo magis brasil sobre a CF2026