No ano de 2021, o aniversário da fundação da Companhia de Jesus acontece dentro do Ano Inaciano, que é, segundo o Padre Geral dos jesuítas, uma grande oportunidade “para que permitamos ao Senhor trabalhar nossa conversão” (Arturo Sosa, A oportunidade do Ano Inaciano, 31/07/2020).
Nesse tempo, em que fazemos memória dos 500 anos do início da conversão de Inácio, tendo como marco o dia em que foi atingido pela bala de canhão (Pamplona em 20 de maio de 1521), podemos tirar muito proveito ao caminharmos atentos aos processos de conversão que Inácio viveu. Somos, também nós, continuadores dessa missão de conversão e reconciliação.
Iñigo era um homem ambicioso. No início da autobiografia, em uma rápida síntese de sua vida, ele relata que “tinha bastante prazer, sobretudo, no exercício de armas, com grande e vaidoso desejo de obter honra” (Autobiografia, n.1). Também o desejo de servir a uma dama não era nada modesto (Autobiografia, n.6). Considerando ambição como o anseio veemente de alcançar determinado objetivo, de obter sucesso, com grandes pretensões, podemos afirmar que o jovem Iñigo era, de fato, um homem ambicioso.
Mas, será que Iñigo, como toda a sua ambição, antes da mudança de vida, tinha ambições tão grandes como deixar um tesouro espiritual ao mundo, que se mostra tão perene, como são os Exercícios Espirituais, ou ser o fundador de uma ordem religiosa como a Companhia de Jesus?
Vivendo a conversão, que nasce do encontro pessoal com Jesus e progride em seu seguimento diário, o agora Inácio experimentou que a ambição do nobre Iñigo era pequena diante do que Deus, generosamente, lhe concedia como graça. Um exemplo dessa generosidade é a Companhia de Jesus. Não por ser a ordem religiosa com mais membros ou por ter oferecido ao mundo um legado educacional e espiritual, não por ter vivido a supressão (1773) e restauração (1814) ou pelo número de santos e beatos que nela viveram, entre outros elementos que são usados para falar da importância da Companhia de Jesus na história. Mas, sim, pela sua natureza. Ela foi edificada pela vontade de Deus e a Ele pertence, sendo para a sua maior glória.
Em um dos momentos mais tensos na vida de Inácio, com as apreensões que poderiam assolar a jovem Companhia, devido a eleição do cardeal Carafa como Papa Paulo IV, Inácio mostrou o tamanho da liberdade que vivia em relação à “sua obra”. Relatando ao Padre Luís Gonçalves da Câmara o que poderia tirar a sua alegria, disse que seria a dissolução da Companhia pelo papa. Mas, acrescentou: “e ainda com isso, eu penso que, se um quarto de hora me recolhesse em oração, ficaria tão alegre e mais que antes” (Memorial do P. Câmara, n. 182). A liberdade que Inácio vivia diante de suas “conquistas” foi uma grande graça que ele recebeu, fruto da identificação com Jesus, da sua docilidade ao Espírito e desejo de serviço.
Esse é um tempo propício para as pessoas que fazem parte do corpo apostólico da Companhia de Jesus, que vivem em seu dia a dia a espiritualidade inaciana ou que tiram proveito dos meios que nascem da experiência partilhada de Inácio, como o discernimento pessoal e comunitário. Ao celebrar os 481 anos da aprovação por Paulo III (Carta Apostólica Regimini militantis Ecclesiae, de 27 de setembro de 1540), não ficamos no passado, lembrando os grandes feitos, mas somos chamados a viver o presente para construir um futuro de esperança.
Não tenhamos medo de sermos indiferentes às nossas ambições para, na liberdade, abrirmo-nos aos caminhos e deixarmo-nos surpreender por Deus (Papa Francisco), assim como Inácio ousou ter coragem de fazer.
Texto: Marcos Venturini, SJ