“Buscamos na história da Criação uma maneira de experimentar o mundo capaz de nos abrir as portas do transcendente”  (Joseph Campbell)

A experiência inaciana dos Exercícios Espirituais desperta uma atitude contemplativa que nos impulsiona a buscar e encontrar Deus em todas as coisas da natureza e da vida humana e histórica. A recomendação inaciana “e sejam frequentemente exortados a procurar em todas as coisas a Deus nosso Senhor… amando-O em todas as coisas, e amando a todas n’Ele” (Const. 288) não significa frieza e distância da Criação, senão sua máxima defesa e cuidado.

Para amar bem a todos e a tudo é preciso, antes, amar alguém sobre todas as coisas. Pois bem, essa possibilidade é para Santo Inácio fruto e manifestação da consolação divina. Nesse sentido, a espiritualidade inaciana vai além de uma determinada experiência religiosa, ela se expressa como uma atitude amorosa para com todas as criaturas.

A espiritualidade inaciana reconhece uma imanência de Deus no cosmos, há uma divinização do universo, enquanto Deus está presente nele. Deus está em tudo, tudo está em Deus, tudo se reflete dentro de Deus. O Universo não é indiferente a Deus, pois está no Seu coração e pertence ao Reino da Trindade. A Criação, como dom recebido de Deus, situa-se no plano de uma sacralidade fundamental. O sagrado invade todos aspectos da vida e da criação. É uma experiência de interioridade, de intuição, de contemplação, de um fazer contemplativo, da presença escondida do divino, da sacralidade da natureza, do sentido da comunhão, da totalidade e solidariedade com todas as manifestações de vida e com todos os seres.

Inácio considera Deus habitando nas criaturas, dando-lhes o ser, às plantas dando-lhes o crescimento, aos animais a sensação, aos seres humanos o entendimento (EE 235). Presença operativa e de amor, porque Deus é amor. E sendo amor, irradia vida, graça, dom. Como tudo está interligado umbilicalmente a Deus, é a partir de Deus que encontramos o todo. Deus penetra no coração de cada coisa e cada coisa se encontra em Deus. A experiência dos Exercícios nos ajuda a descobrir esse Deus que está presente em todas as coisas, mas oculto sob mil sinais. O Universo é um grande sacramento, a Matéria é sagrada, a Natureza é espiritual, porque é templo de Deus.

O Universo inteiro é um imenso altar, no qual podemos contemplar a presença do Criador

A espiritualidade inaciana, na perspectiva ecológica, visa recuperar a sacralidade fundamental de todas as criaturas. O horizonte da Criação, revelado pelo “Princípio e Fundamento” e pela “Contemplação para alcançar amor” suscita no exercitante uma atitude sabática de adoração. De fato, na perspectiva bíblica, o ponto alto da Criação é o Sábado a partir do qual se entende a relação e a comunhão do ser humano com a natureza, numa atitude de permanente louvor (espanto, admiração diante da beleza da Criação e da presença divina que a conduz à plenitude).

O Princípio e Fundamento expressa, portanto, uma atitude espiritual ecológica. Na Contemplação para alcançar amor, Santo Inácio leva o exercitante a perceber a íntima presença de Deus na Criação. E dela decorre uma atitude de respeito, harmonia e sintonia. As coisas, o mundo, a natureza, os outros, eu, tudo existe em Deus, não isoladamente, não paralelamente, não superposto. “Nossa vida está escondida com Cristo em Deus”, diz São Paulo.

Em Deus, como realidade primeira e primordial, como “arché” (princípio) de tudo o que existe. Perceber isto pertence à dimensão da graça e da fé, mas não percebê-lo acarreta consequências desoladoras. É a partir desse pano de fundo que podemos compreender o significado da expressão “as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano” (EE 23). A espiritualidade inaciana, na perspectiva ecológica, se opõe ao utilitarismo da natureza.

Criatura, criada e criativa

A natureza não é vista unicamente como sendo uma mediação criada apenas para servir o ser humano, mas também como lugar e meio para “louvar, reverenciar e servir o Criador”. O ser humano, ao se sentir em comunhão com a natureza, espelha-se no ato criativo de Deus, conservando-lhe a vida e colocando-a a serviço dos demais.  Sendo criado e criativo, o ser humano denuncia a destruição e morte da vida, da natureza e dos seus irmãos, e anuncia um Reino de Vida e de harmonia entre todas as criaturas. Acolhe o dom da presença divina através de uma resposta oblativa e contemplativa e nunca como déspota que usa e abusa das criaturas.

É esta a experiência mística que brota da relação com a natureza, mergulha-se diante da beleza da natureza até o coração do cosmos, sentindo pulsar aí uma vida maior. Nesse sentido, a espiritualidade inaciana é aquela que nos ajuda a superar as dicotomias na busca da unidade e da totalidade: ciência e mística, mundo físico e espiritual, corpo e espírito, céu e terra. Tudo se encontra em profunda harmonia e em íntima intercomunicação. Tal experiência nos propicia uma fecunda mística cósmico-ecológica.

Texto Bíblico  Cl 1,15-20 / Is 43,16-21 / Rm 8,19-23

 

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