Caminho: a chave da espiritualidade inaciana

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“Nunca olhe para trás para ver o que já caminhou. Olhe para o seu coração que carrega um mundo repleto de amanhecer e entardecer” (A. Yupanguy)

Quando Santo Inácio de Loyola morreu em 31 de julho de 1556, surpreendeu a muitos o aspecto de seus pés calejados e maltratados. Eram os pés de um peregrino, como ele mesmo se qualificava no final de sua vida, o símbolo de todo uma disposição primeira espiritual. Essa incansável mobilidade, de Loyola (Espanha) até Roma (Itália), não deixa de ser fascinante. Que visão há por detrás desse ímpeto por peregrinar, por dar passos?

Tanto nos Exercícios Espirituais, como nas outras fontes inacianas mais significativas, descobre-se que Inácio recorre com frequência à linguagem metafórica do caminho para descrever a mobilidade, o dinamismo do encontro pessoa x graça.

De fato, a graça, longe de ser vista como algo estático, é apresentada como “um poder vivo, que desperta no homem um movimento. Não é um dom puramente ocasional, mas um acontecimento contínuo” (G. Kraus). Nesse sentido, o termo caminho desempenha o papel de um eixo central no pensamento de Santo Inácio. Daí a centralidade do caráter dinâmico do encontro pessoa x graça. Os Exercícios enchem o espaço do encontro Criador e criatura de muitos e diferentes movimentos. É o lugar onde nem o ser humano nem a Graça nunca se encontram estáticos. Trata-se de “buscar e encontrar”, de “dispor-se e receber”. O importante não são os quês, mas os paras dinâmicos: “o ser humano é criado para…”, as coisas “são criadas para o ser humano e para que o ajudem” (EE 23).

Afinal, qual é o caminho?

Inácio vê o exercitante em direção, em tensão, diante da inevitável pergunta: “o que mais nos conduz para o fim que somos criados?” A resposta a esta pergunta não se limita a um instante, mas se prolonga num contínuo “somente desejando e elegendo o que mais nos conduz para o fim.”  O desafio de re-situar-se permanentemente diante de seu fim transcendente representa para a pessoa um pôr-se em marcha, sempre. Ela tem de aventurar-se, abrir-se “à vontade Divina na disposição de sua vida para a sua salvação” (EE 1).

O encontro pessoa x graça para Inácio é excêntrico. Os Exercícios conduzem efetivamente a um des-centramento, deslocando a pessoa e pondo-a num movimento para fora. Não podemos esquecer aqui o princípio inaciano de que “cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e interesse” (EE 189).

Numa carta a São Francisco de Borja (20 de setembro de l548), Santo Inácio condensa o que se encontra nos Exercícios: “… porque Deus Nosso Senhor vê e sabe o que mais convém à alma; e como quem tudo sabe, Ele mostra o caminho de cada qual. Quanto a nós, para encontrá-lo, mediante sua graça divina, ajuda muito buscar e experimentar por muitas maneiras o caminho mais iluminado por Ele, mais feliz e bem-aventurado para nossa vida, toda guiada e ordenada para a outra sem fim, a que chegaremos abraçados e unidos a esses santíssimos dons”.

“Deus é o que move”

Inácio fez a afirmação acima em uma carta para Alexio Fontana. Tal declaração é a síntese não tanto do que é a graça propriamente para ele, quanto de sua manifestação mais acessível no acontecimento de seu encontro com o ser humano. Essa é uma das expressões típicas do seu epistolário: a de que Deus queira “mover eficazmente o coração”. A aceitação da graça equivale, então, à incorporação a uma caminhada. O caminho é uma peregrinação, e a pessoa se há de contentar “na peregrinação em que Deus Nosso Senhor nos pôs para que caminhemos à pátria celeste” (Roma, 1553).

À ação da graça associa-se o desejo da pessoa. É a união de ambos que possibilita tornar-se caminhante. Por isso, o caminho é a chave de compreensão da espiritualidade inaciana.

Texto Bíblico  Is 55 / Jo 14, 1-14

 

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