Espiritualidade do cotidiano criativo

Compartilhe :
Facebook
Email
X
LinkedIn
WhatsApp

“Minha vida cotidiana é meu guru”  (Monge Anônimo)

Vivemos mergulhados na cultura de resultados; o ativismo é o nosso estilo de vida; a existência inteira faz-se maquinal e rotineira; a vida perde seu sentido; já não encontramos tempo para desfrutar das atividades mais simples e humanas; nosso cotidiano torna-se pesado, cansativo, passa a ser rotineiro, convencional e, não raro, carregado de desencanto. A maioria das pessoas vive restrita ao cotidiano com o anonimato que ele envolve. Tal situação acaba gerando pessoas ansiosas, irritáveis, frustradas.

Que fazer então?

Quando a vida cotidiana se torna monótona e se faz normal, é necessário sacudi-la com algum “detalhe anormal”, que ajuda a revigorá-la e dar-lhe fecundidade. “Se, às vezes, há um fastio na rotina, não raro ela revela um mistério insondável” (F. Cláudio). A mística inaciana desperta nossa atenção para o mistério das pessoas, das coisas, da normalidade da vida. Santo Inácio, quando nos convida a contemplar a “vida oculta” de Jesus, no fundo ele quer que coloquemos em evidência nossas motivações, nossos valores, nossos critérios.

Jesus nos ensina, em Nazaré, a descobrir o valor eterno do doméstico, do cotidiano.

Ele nos ensina a saborear o eterno e o Absoluto nas pausas e nos silêncios da vida cotidiana. Ele gasta praticamente toda sua vida nesta humilde condição; passou despercebido como Messias. Identificando-se com a vida de todo mundo Jesus mostrava que a salvação não consistia em coisas extraordinárias ou em gestos fantásticos, mas na “adoração do Pai em espírito e verdade”.

Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai. Para Ele o Reino se revela no pequeno, no anônimo, no cotidiano e não no espetacular, no grandioso. Para Ele, não são as coisas que nos fazem importantes, mas somos nós que fazemos qualquer coisa ser importante. É o sentido que damos à nossa vida e à nossa ação que fazem com que estas sejam significativas ou não. É a importância do não importante. “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia a própria dificuldade” (Mt. 6,34). Com estas palavras, Jesus estabelece a diferença entre o modo pagão e o modo cristão de viver o cotidiano. A cotidianidade de nossa vida está tecida de coisas ordinárias e não de coisas extraordinárias. Falamos de uma cotidianidade humana, isto é, daquelas atividades de nossa vida diária, que embora irrelevantes em sua aparência, tem uma razão de ser, uma motivação e um modo de fazer-se que não se deve à mera casualidade ou a um impulso instintivo de repetição e automatismo.

O cotidiano é o que vivemos e/ou fazemos cada dia: o conjunto de circunstâncias, atividades e relações que formam a trama da vida de uma pessoa por meio das quais Deus atua nela e a pessoa se relaciona com Deus. As ações cotidianas insensatas podem ser sensatas se percebermos Deus presente nelas. Descobrir a presença divina escondida no cotidiano é encontrar-se acolhido pelo abraço do Criador que nos envolve. Quando a pessoa assume seu cotidiano e o vivifica com injeções de novidade, de idealismo, de criatividade, então começa a irradiar uma rara energia interior.

A essa força denominamos de carisma, que significa a energia que tudo vitaliza, que tudo penetra e rejuvenesce. O carisma inaciano nos desperta da letargia do cotidiano. E despertos, descobriremos que o cotidiano guarda segredos, novidades, mensagens ocultas, que podem acordar e conferir sentido e brilho à vida.

O cotidiano passa a ter sabor de eternidade.

O cotidiano é o meio pelo qual o amor toma densidade e se expressa preferentemente. Tem-se dito que “a humildade do amor é o dom da vida cotidiana”, ou seja, a humildade do amor sem brilho, no escondido. O amor é, precisamente, o lubrificante que dá sentido à vida cotidiana e lhe faz superar as dificuldades inerentes à mesma: o desprendimento de si mesmo, a busca da verdade e do bem comum, a atenção ao que facilita a vida dos outros, se tornam normais quando se cultiva o amor. E é esta fidelidade no cotidiano que possibilita a transformação da realidade.

“O amor deve consistir mais em obras do que em palavras” (EE 230)

Texto Bíblico: Mt 6, 25-34 / Lc 2, 39-52 / Lc 10, 38-42

 

# Clique aqui e faça o download da versão para impressão desta reflexão.

Veja também a reflexão da semana passada.

Compartilhe :
Facebook
Email
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Deixe uma resposta