O MAGIS Brasil apresenta sua nova coluna de espiritualidade: Reflexões Inacianas.
Toda semana disponibilizaremos conteúdos de oração, reflexão e estudo sobre a espiritualidade inaciana.
“Olhar Audacioso”
“No princípio era o olhar…” “…como as Três Pessoas divinas olhavamtoda a superfície plana ou curva do mundo, cheia de gente” (EE 102)
Para S. Inácio, a Encarnação começa com um “olhar”, com um modo de olhar que compromete o interior das Pessoas divinas. O exercício da “contemplação da Encarnação” consistirá em acompanhar o olhar amoroso e compassivo da Trindade sobre o mundo, em contemplar a Trindade que contempla o mundo, em ver a humanidade com os olhos da Trindade, como a Trindade a vê.
A partir deste divino olhar contemplativo é que o exercitante é chamado a olhar, escutar, observar. Olhar o mundo em que vivemos com os olhos de ternura, de misericórdia e de compaixão de Deus.
Encontramos na Trindade o olhar que abre caminhos históricos e clarifica a existência humana.
Olhar não contaminado, sem veneno, olhar sem rancor, sem julgamento.
Olhar que recria o ser humano, que abre futuro novo, que suscita comunhão.
Olhar criador que semeia vida e paraíso. Olhar inquietante que sonda a verdade.
Olhar audacioso que desperta as consciências, sacode as velhas estruturas, derruba os muros da separação e da violência.
A partir do olhar trinitário, a pessoa é movida a ter um olhar “prospectivo”, ou seja, um olhar voltado para o amanhã, para o futuro; um olhar descortinador, olhar que ultrapassa horizontes, rompe nevoeiro, desbrava solidões, infiltra-se nas frestas da realidade. Olhar que se desgruda do saudosismo, do passado remoído.
O olhar da Trindade é um olhar inovador, olhar comprometido que faz acontecer o novo, que abarca todo o universo:
“Olhar errante. Olhar andarilho. Rola pelas planícies, escorrega pelas encostas, mergulha nos socavões. Apalpa as saliências do mundo, namora fisionomias, remira o corpo exposto, revolve o mistério humano. E plana sobre consciências, sem pisá-las. Motiva decisões, sem forçá-las. Norteia peregrinos, sem atropelá-los. Olhar disparado, às vezes contido. Olhar escancarado, às vezes subversivo. Olhar fugidio que desliza pelos flancos largos do mundo, e insinua-se nas curvas recatadas da vida. Olhar que assedia seres humanos sem violentá-los”. (Juvenal Arduini)
Ao contemplar a “Trindade olhando”, desperta-se em nós um olhar crítico que desvenda as entranhas da realidade, que capta o mistério íntimo das coisas e das pessoas; olhar crítico que não só registra o que aparece, mas que garimpa o que se esconde; olhar crítico que não se detém na superfície dos fatos, mas percebe as motivações que estão por detrás dos mesmos; olhar crítico que põe às claras as ciladas, as trapaças que denuncia aquilo que é realizado na penumbra, olhar apaixonado pela clareira, que caça luz, que deslumbra, que retira a sombra.
Alberto Caeiro queria que voltássemos a olhar o mundo como as crianças que o estão vendo pela primeira vez. Aí, tudo é assombro, espanto, encantamento, fantástico, maravilhoso. É através dos olhos que as crianças, pela primeira vez, tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo.
“Meu olhar é nítido como um girassol. E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto, e eu sei dar por isso muito bem… Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras… Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo… Creio no mundo como num mal-me-quer, porque o vejo. Mas não penso nele porque pensar é não compreender. O mundo não se fez para pensarmos nele (pensar é estar doente dos olhos) mas para olharmos e estarmos de acordo…”
“De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo” (Adélia Prado)
Olho de poeta é assim: olha pedra e vê outra coisa. Como se a pedra fosse uma janela que se abre para outro mundo. Os objetos fazem o poeta sonhar. Tudo aquilo que o seu olhar toca é imediatamente transformado. A poesia começa no momento preciso em que o objeto se torna transparente, deixando ver as coisas inimagináveis. Poesia é uma qualidade do olhar.
Textos Bíblicos: Ex 3, 1-10 / 1Sam 16, 4-13
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