Entre oração, partilha e encontro com a realidade, o Módulo III da Escola MAGIS formou jovens líderes para servir com coragem e profundidade
Guilherme Freitas via MAGIS Brasil
Brasília costuma ser lembrada por suas linhas retas, seus grandes eixos e seus prédios monumentais. Mas, entre 3 e 7 de dezembro de 2025, o que marcou a cidade foi outra arquitetura: a de uma juventude diversa, vinda de muitos cantos do Brasil, que se reuniu para aprender a liderar como quem serve, a discernir com profundidade e a pisar a realidade com reverência.
Assim foi o terceiro módulo presencial da Escola MAGIS de Liderança Jovem, vivido entre o Centro Cultural de Brasília (CCB) e o Centro MAGIS Burnier. Um tempo de formação intensa, atravessado por oração, partilha, perguntas honestas e aquela alegria serena que nasce quando a gente se sente parte de algo maior.
Esse momento foi vivenciado por mais de 40 jovens líderes, distribuídos por capitais e cidades do interior, do Norte ao Sul, do Centro-Oeste ao litoral do Nordeste e Sudeste, como Manaus (AM), Boa Vista (RR), Porto Nacional (TO), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Porto Alegre (RS), Maringá (PR), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Recife (PE), Natal (RN), Teresina (PI), entre tantas outras localidades.
Ao final do encontro, muitos jovens escreveram que saem com esperança, com mais coragem, com mais clareza e, sobretudo, com o desejo de ser mais com os demais, não como slogan, mas como decisão de vida.
UM COMEÇO COM CHEIRO DE ENVIO: MISSA, COMUNIDADE E INSPIRAÇÃO MISSIONÁRIA
O módulo começou do jeito que a espiritualidade inaciana gosta: com o coração no centro. Na noite da chegada, após o credenciamento, a primeira celebração eucarística reuniu o grupo na capela do CCB.
A missa foi presidida pelo Pe. Jackson Carvalho, SJ, superior da comunidade jesuíta e coordenador do Núcleo Apostólico Brasília, que também acompanhou outros momentos do encontro. Na homilia desta missa, o Pe. Edson Tomé, SJ, atual Secretário para Juventudes e Vocações da Província, apontou para São Francisco Xavier, celebrado naquele dia e patrono da comunidade, como imagem de uma liderança que não se fecha em si, mas se deixa enviar. Era como se, já ali, a Escola dissesse: liderança, aqui, começa pela disponibilidade interior.
A abertura seguiu com acolhida, dinâmica conduzida pelo Daniel Romano, que compõe a equipe de pastoral do Burnier, e os primeiros informes. E, antes de recolher, a noite terminou com a Pausa Inaciana: memória do caminho, conduzida pelo estudante jesuíta, Ir. Luciano Sabedotti, SJ. Um convite ao silêncio que não esvazia, mas organiza por dentro.



“NADA PODE IMPORTAR MAIS DO QUE ENCONTRAR A DEUS”: ESPIRITUALIDADE QUE SUSTENTA O COTIDIANO
Quem lê as avaliações realizadas ao final de cada dia do encontro, percebe um traço comum: a espiritualidade não foi um adendo ao cronograma. Ela foi o fio que costurou tudo.
Muitos jovens destacaram as pausas inacianas no fim do dia, as orações pessoais e, de modo especial, a experiência de reencontrar Deus “em todas as coisas, pessoas e realidades”. Um deles contou que ficou marcado por uma frase cantada em uma pausa: “Nada pode importar mais do que encontrar a Deus.” Outro escreveu sobre a beleza de, no meio da intensidade, ser conduzido ao silêncio e ao encontro interior, longe das distrações, revendo missão e propósito.
Nem tudo foi dito sem nuance. Houve quem pedisse mais momentos de oração comunitária, com a Palavra, como forma de equilibrar ainda mais o ritmo formativo. E esse tipo de retorno, justamente, revela maturidade: a Escola forma pessoas capazes de avaliar com liberdade, gratidão e honestidade.
PEDAGOGIA INACIANA E EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAR LIDERANÇA É APRENDER A LER O MUNDO
A quinta-feira (4) foi atravessada por uma pergunta simples e exigente: como formar lideranças que não repitam fórmulas, mas aprendam a escutar o tempo e o povo?
Pela manhã, a assessoria de Mariângela Risério conduziu a formação “Pedagogia inaciana e educação popular”, em dois blocos, ajudando o grupo a perceber que educar, na tradição inaciana, não é “passar conteúdo”, mas acompanhar processos humanos, unindo profundidade, criticidade e compromisso com a transformação social.
Mas o que deu carne a esse aprendizado foi a parte mais aguardada do módulo: a inserção sociocultural.
ITAPOÃ E ASSENTAMENTO IRMÃ DOROTHY: QUANDO A REALIDADE VIRA SALA DE AULA
Na tarde do dia 4, o grupo saiu em direção ao Itapoã e ao Assentamento Irmã Dorothy. Não era turismo social. Era encontro. Era deixar que a realidade, com suas dores e sua potência, ensinasse.
A acolhida contou com Ana Cristina (coordenadora local do MEB – Itapoã), Irmã Delci Maria Franzen (secretária executiva do MEB), Padre Gabriele Cipriani (assessor de projetos do MEB) e Joslaynne Broiô (colaboradora voluntária do Centro MAGIS Burnier e funcionária do MEB).
A vivência aconteceu junto ao Movimento de Educação de Base (MEB), com acolhida e formação no Centro de Convivência, e retomou a metodologia freiriana do Ver, Julgar e Agir, que ajuda a olhar o mundo com lucidez, discernir coletivamente e se comprometer com ações transformadoras.
As avaliações dos jovens deixam claro o impacto desse dia. Há quem diga que a ida ao assentamento foi “um abrir de olhos”, uma experiência que tocou porque permitiu ver de perto gente real, sonho real, luta real.
Um dos jovens escreveu que o que mais o marcou neste módulo do curso foi justamente a visita ao projeto e ao assentamento, por perceber “a ousadia positiva” de uma educação acessível, que prioriza o outro em sua vulnerabilidade. Outro sintetizou com simplicidade forte: “Quando a gente foi no MEB, ali a espiritualidade estava na prática, não somente como um sentimento.”
Houve também quem desejasse mais tempo nesse mergulho, ou até a possibilidade de ter visto com mais duração a dinâmica da escola em funcionamento. E isso diz muito: quando uma experiência provoca desejo de permanecer, é sinal de que ela não foi “atividade”, mas chamado.





ACOMPANHAR JUVENTUDES (E TAMBÉM NO DIGITAL): PRESENÇA QUE ESCUTA, CUIDADO QUE ACOLHE
Na sexta-feira, dia 05, a Escola voltou os olhos para o cotidiano de quem acompanha grupos juvenis e sabe que liderar não é conduzir sozinho, mas criar condições para que outros cresçam.
A manhã trouxe a formação “Formação e acompanhamento de grupos juvenis”, com o coordenador do eixo Pedagogia da Formação, Giovani do Carmo, e um aprofundamento sobre acompanhamento no ambiente digital, conduzido pelo coordenador de Comunicação, Guilherme Freitas, lembrando que vivemos em um tempo “on-life”: o digital também é real, e exatamente por isso precisa ser habitado com discernimento, verdade e a cultura do encontro.
À tarde, as oficinas tocaram temas que atravessam as juventudes de hoje e seus processos de pertença e exclusão, com atenção especial a grupos e realidades como LGBTQIAPN+, mulheres e negros, além das emergências ligadas à crise climática, migração e deslocamento humano.
O Ir. Luciano, SJ conduziu a oficina sobre acompanhamento acolhedor das identidades juvenis, e o diálogo com o Instituto de Migrações ajudou a olhar para a crise climática, a migração e os deslocamentos humanos como desafios que pedem fé encarnada e compromisso com a Casa Comum.
Um jovem escreveu que essas reflexões o moveram a perceber como a juventude precisa se preocupar com grupos socialmente excluídos e com as crises emergentes e que isso também é cuidado.





A NOITE EM QUE A CRUZ VIROU ESPERANÇA: A MÍSTICA PADRE BURNIER
A sexta terminou com um dos momentos mais citados nas avaliações: a Mística Padre Burnier. Muita gente descreveu como “significativa”, “profunda”, “tocante”. Houve quem dissesse que nunca tinha vivido algo parecido.
Outros lembraram detalhes: o ambiente, as músicas, a condução, a dimensão lúdica e, especialmente, o gesto coletivo de colocar na cruz, em pequenos papéis, aquilo que gostariam de ver nascer no mundo.
Não era dramatização; era memória que compromete. Era espiritualidade que não foge do sangue do povo, mas se deixa ferir e, por isso, amadurece em esperança.
Logo depois, a noite cultural transformou a diversidade do Brasil em mesa, canto e alegria: comidas, bebidas, músicas, poesias e jogos de cada região, como se o país inteiro, por algumas horas, coubesse ali, em fraternidade.
PROJETO DE VIDA: DISCERNIR PARA ESCOLHER E ESCOLHER PARA SERVIR
No sábado, dia 06, o ritmo do encontro ganhou um tom mais interior. A formação “Projeto de Vida”, conduzida pelo assessor João Elton de Jesus, convidou os jovens a integrar história, dons, limites, desejos e horizonte.
Nas avaliações, essa dimensão aparece com força: “olhar para dentro”, “reconhecer meus potenciais”, “compreender como posso impactar positivamente”, “discernir com mais clareza”.
Um jovem escreveu que o módulo lhe deu segurança para assumir desafios e ampliar a atuação; outro disse que agora se sente mais preparado para tomar decisões importantes e atuar com mais motivação em sua comunidade.
Entre tantos testemunhos, um se destaca pela honestidade: alguém confessou que, no início, achou que já conhecia a metodologia e que talvez não precisasse da Escola. Aceitou o desafio e foi “profundamente surpreendido”. Encontrou um percurso “riquíssimo”, com temáticas bem conduzidas, facilitadores sensíveis e um tempo verdadeiro de aprendizado, escuta e crescimento.
É o tipo de frase que explica o que a Escola MAGIS faz: ela não entrega só conteúdo; ela desinstala, reencanta e reorienta.





DOMINGO DE DECISÃO E CONTINUIDADE: O FÓRUM COMEÇA A NASCER
No domingo, dia 07, o Fórum de Juventudes não apareceu como evento final; ele começou a nascer como processo.
A manhã foi dedicada à organização prévia do Fórum: organização do que virá, encaminhamentos, avaliação e uma decisão importante para a continuidade do projeto. Foi realizada a eleição de dois jovens para compor a equipe central da Escola: Jeovany Wanderley do Nascimento (de Paulista/PE) e Lívia Guimarães Pinto (de Juiz de Fora/MG), assumindo a corresponsabilidade pelo caminho que segue.
Depois vieram os encaminhamentos para os próximos passos, conduzidos pelo Ir. Luciano, SJ e por Giovani, e a celebração eucarística de encerramento, com participação dos jovens na liturgia.




UMA REDE QUE SE RECONHECE NOS NOMES E NAS OBRAS QUE A SUSTENTAM
A variedade dos jovens participantes da Escola MAGIS revela as mais variadas trajetórias que mostram a riqueza de vínculos com a missão inaciana no Brasil: jovens ligados a experiências com os Centro MAGIS Burnier, Anchietanum, Amazônia, CIJ, com os Espaços MAGIS Teresina, Juiz de Fora, Padre Paul, a PUC-Rio (Pastoral Universitária Anchieta), a Fundação Fé e Alegria, além de presenças em obras educativas como Colégio Anchieta (Nova Friburgo/RJ), Colégio Santo Inácio (RJ) e Escola Santo Afonso, todos vinculados a Rede Jesuíta de Educação, bem como experiências eclesiais e parceiras como CVX, Irmãs Dominicanas de Monteils, Instituto das Religiosas da Instrução Cristã, Arquidiocese de Manaus, pastorais juvenis e realidades comunitárias diversas.
E talvez seja esse um dos sinais mais bonitos do módulo: a Escola não formou um “grupo de selecionados”, mas reuniu gente real, com histórias, sotaques, dores e esperanças e lembrou, com método e afeto, que liderança cristã se mede menos pelo brilho e mais pela capacidade de acompanhar, servir e permanecer.
UMA ESCOLA QUE FORMA LÍDERES E TAMBÉM FORMA COMUNIDADE
Entre as muitas avaliações sobre estrutura, espaços, alimentação e organização, aparece algo que não cabe em planilha: o sentimento de casa.
Um jovem escreveu que “sentiu o cuidado em tudo”. Outro agradeceu com carinho à equipe da cozinha, dizendo que, mais do que comida, recebeu afeto. E há uma expressão que volta em diferentes palavras: pertencimento. “Somos Rede.” “Somos força uns para os outros.” “Uma semente foi plantada e é meu dever levar essa semente para outros jovens.”
Talvez seja isso o que o Módulo III deixa de mais precioso: a certeza de que ninguém lidera sozinho. A Escola MAGIS de Liderança Jovem segue formando gente capaz de pensar criticamente, rezar com profundidade, agir com coragem e caminhar em comunidade.
Gente que entende que acompanhar juventudes é “pisar em terra sagrada” e, por isso, só se aproxima com escuta, reverência e amor.







