Ir. Douglas Turri, SJ
Aprender a ouvir a Deus é o primeiro passo para responder ao Seu chamado.
Quando falamos de oração, geralmente pensamos em palavras: pedidos, agradecimentos, louvores. Desde cedo, aprendemos orações como o Pai Nosso ou somos incentivados a falar com Deus. Mas será que oração se limita às palavras? Ou será que ela também nasce do silêncio que escuta?
Em um mundo cheio de ruídos, respostas rápidas e distrações, talvez o maior desafio espiritual de hoje seja parar, silenciar e ouvir. Escutar a Deus é abrir espaço para o encontro. É deixar que Ele se comunique antes mesmo de qualquer palavra nossa.
Samuel: chamado no silêncio da noite
A Bíblia nos apresenta a história do jovem Samuel (1Sm 3). Durante a noite, ele ouve uma voz que o chama, mas não a reconhece. Três vezes vai até Eli, pensando que era o sacerdote quem o chamava. Só então Eli o orienta:
“Se ouvires novamente, responde: Fala, Senhor, teu servo escuta.”
A primeira oração de Samuel não foi falar, mas ouvir. Ele teve que aprender a distinguir a voz de Deus no meio da noite, no meio da confusão. E nós? Quantas vezes confundimos a voz de Deus com outras vozes, ou simplesmente não damos tempo para que Ele fale?
O primeiro mandamento da oração
Santo Inácio de Loyola percebeu essa dinâmica com profundidade. Para ele, o primeiro passo da oração é a escuta.
Nos Exercícios Espirituais, a contemplação começa assim: observar a cena do Evangelho, perceber os gestos de Jesus, ouvir suas palavras. Somente depois vem a nossa resposta. E, em seguida, voltamos à escuta.
Assim nasce o colóquio vivo: Deus fala, nós respondemos, e o diálogo continua. Oração não é monólogo, mas comunicação de ambas as partes.
Escutar Deus no cotidiano
A escuta não acontece apenas em momentos formais de oração. Inácio nos convida a encontrar Deus em todas as coisas. Ele se comunica:
- nas pessoas que encontramos;
- nos sentimentos que nos habitam;
- nos acontecimentos do dia a dia;
- na criação que nos envolve.
Conta-se que Inácio, ao final de um dia cansativo, gostava de contemplar as estrelas da sacada de seu quarto. Aquela simples contemplação o conduzia à grandeza de Deus. Escutar é isso: permitir que a vida fale de Deus para nós.
Ferramentas para cultivar a escuta
Em meio à correria, pequenas perguntas podem nos ajudar a afinar os ouvidos do coração. São pistas que brotam da tradição inaciana:
Onde percebi a presença de Deus hoje?
O que me trouxe paz, alegria ou esperança?
O que me causou inquietude, medo ou tristeza?
O que aprendi sobre mim e sobre Deus nas minhas experiências?
O que Ele deseja de mim neste momento?
Essas perguntas simples, próprias do Exame inaciano, nos treinam a escutar a voz que dá sentido à vida.
Escuta que gera vocação
Escutar não é apenas um exercício espiritual. É um caminho vocacional. Quem aprende a escutar com o coração descobre seus desejos mais profundos e reconhece a voz que conduz à vida. Aprende a distinguir quais vozes vêm de Deus e quais não.
Como Samuel, também nós somos convidados a dizer:
“Fala, Senhor, teu servo escuta.”
O amor é sempre comunicação: Deus fala, nós respondemos. É nesse diálogo que a vocação cresce e floresce. Escutar é, portanto, o ponto de partida da vida cristã e vocacional.
E você? Tem dado espaço para ouvir a voz de Deus em meio ao barulho da vida? Talvez hoje seja o momento de parar, abrir o coração e simplesmente dizer: “Fala, Senhor, teu servo escuta.”







