Ter ou não ter vocação, eis a questão

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Pe. Pedro Rocha Mendes, sj (publicado no site pontosj.pt)

O que é a vocação?

A palavra “vocação” vem do latim vocare, que significa “chamar”. Para os cristãos, falar de vocação sempre nos remete a Deus, pois nos reconhecemos e sentimos como Seus filhos muito amados, chamados a viver uma vida plena.

O cristão acredita que sua vocação corresponde a um sonho — uma vontade — que o Senhor guarda para cada um. Por isso, é também um horizonte que não podemos deixar de buscar. Aliás, pelo batismo, todos somos chamados à santidade, que se realiza quando conduzimos nossa humanidade à sua expressão mais pura e verdadeira, configurando-nos plenamente com Jesus — com Sua vida e Seus critérios — para que, assim como Ele, alcancemos e participemos da felicidade eterna.

Eu tenho vocação?

Todos temos vocação! O Senhor não faz acepção de pessoas e chama cada um a abraçar sua vida de maneira plena! E se o Senhor chama, cabe a cada um de nós responder positivamente. A vocação é sempre uma proposta de Deus, esperando uma resposta do ser humano. Por isso, é preciso trilhar um caminho que envolve: Conhecer melhor o Deus que nos chama — através de Jesus, que precisamos encontrar e experimentar pessoalmente para entendermos como mais nos identificamos com Ele; Conhecer bem a nós mesmos, com nossos desejos profundos e limitações — pois a vocação está muito mais ligada ao que somos e ao que trazemos dentro de nós do que a ideias bonitas e santas que possamos ter sobre a vida; Conhecer também as necessidades do mundo e das pessoas ao nosso redor — já que nossa fé nunca nos fecha em nós mesmos, mas abre nosso coração e vida às necessidades do mundo e dos nossos irmãos, principalmente dos mais frágeis.

Como posso descobrir a minha vocação?

A descoberta da própria vocação exige um caminho de verdadeira exploração, que requer humildade e perseverança. A vocação não é privilégio ou característica de poucos, mas um horizonte desejado e buscado por todos. Não encontraremos paz enquanto não descobrirmos o sentido de nossa identidade mais profunda. Muitos dos chamados “problemas da meia-idade” ocorrem porque, em algum momento da juventude, muitas pessoas não se confrontaram (ou até fugiram) de uma questão vital que deveriam ter colocado a Deus: “Senhor, onde e de que modo queres que eu Te sirva?”. Somente quem pergunta pode esperar e reconhecer uma resposta!

É na oração e no encontro pessoal com Jesus Cristo — na escuta e confronto com Sua vida e critérios — que vamos intuindo o que o Senhor nos pede, especialmente sobre como oferecermos nossa vida e nos tornarmos aquilo que Ele sonha para nós. Discernir a própria vocação sempre envolve escolher entre duas ou mais possibilidades. Ser padre ou consagrado não é melhor do que ser casado ou solteiro. Da mesma forma, ser médico não é melhor do que ser engenheiro ou artista. A vida mais santa será aquela para a qual o Senhor nos chama e não aquela que, aos olhos do mundo, parece mais pura ou mais radical. A vocação é sempre um encontro entre nossa vida e a vida de Jesus, um verdadeiro encontro de duas liberdades. E o Senhor não deixará de nos fazer sentir Seu convite para vivermos a vida como missão, em uma forma concreta que descobriremos como aquela que dá mais frutos para o Reino.

Quais vocações existem?

Todos fomos e somos continuamente chamados à vida: a sermos “homens” e “mulheres”, pessoas que vivem em comunidade, chamadas à comunhão e ao serviço com os outros. Como cristãos, recebemos a missão de sermos como Jesus: este é o núcleo da nossa vocação batismal. Somos chamados a dar uma resposta pessoal concreta e única na Igreja, de modo a contribuir para a construção do Reino de Deus na terra. Cada um, a seu modo, segundo aquilo que for intuindo que o Senhor lhe pede. Pode ser no casamento, no sacerdócio, na vida consagrada, na vida laical… Nenhuma dessas vocações é melhor ou mais importante que a outra. Todas são boas e necessárias para o mundo e para a Igreja. O importante é que cada um descubra, com sinceridade, em qual estado de vida pode seguir Jesus mais de perto, onde mais e melhor se identifica com Ele, servindo a Igreja e colaborando para a construção de um mundo mais justo e mais à imagem de Deus.

Deus tem um plano para mim?

“Muitas vezes, associamos a vontade de Deus ou a voz de Deus a uma experiência quase mística de descoberta de algo pré-determinado, como se fosse uma mensagem oculta no universo que me será revelada ou que preciso decifrar. Essa visão é perigosa e pode gerar duas atitudes opostas e igualmente enganosas: o imobilismo (esperar por uma mensagem mágica de Deus ou ver um sinal claro no céu de Sua vontade) e o voluntarismo cego (empenhar-se em descobrir a vontade de Deus com as próprias forças, a partir das próprias certezas e convicções). Nenhum desses caminhos nos conduz a bom porto! A vontade de Deus é fruto de uma história de amizade que se constrói entre mim e Deus e, por meio dela, vou descobrindo, com cada vez mais clareza, que o que realmente desejo profundamente é o que o Senhor sonha para mim. São Paulo da Cruz dizia com sabedoria: “Quem quer o que Deus quer, tem tudo o que deseja!”.

É importante, no entanto, evitar ingenuidades: o caminho para aprender a sentir e ler o que sentimos não é claro nem imediato. É fácil confundir o que quero ou preciso com o que simplesmente desejo no momento; ou, por outro lado, cair em idealismos, pensando que alguns caminhos são mais válidos ou mais importantes que outros (como no mito de que, sendo padre ou freira, estarei mais perto de Deus e terei uma vida mais santa). Para chegar a Deus, não há atalhos: o caminho é sempre Jesus, e a única maneira de chegar lá é descobrir a vontade de Deus para mim por meio do discernimento.”

Mas posso realmente ouvir Deus?

O processo de discernimento envolve aprender a reconhecer a voz de Deus em nós. Isso não significa que ouviremos uma voz literal (como dizem com humor, se isso acontecer, talvez seja melhor falar com um psiquiatra!). Trata-se, antes, de crescer no conhecimento dos sinais de Deus, tanto internos quanto externos. Os sinais externos podem ser acontecimentos, experiências, testemunhos, encontros, coincidências, entre outros. Os sinais internos são geralmente identificados como consolação e desolação: A consolação é um estado de vitalidade espiritual que se manifesta em um aumento de fé, esperança, caridade e desejo de compromisso com a justiça. Frequentemente, experimenta-se como um forte sentimento de paz, luz ou sentido, um estado de profunda sintonia com o Evangelho e com os critérios de Jesus, mesmo quando envolve medos, apreensões e sofrimento. A desolação, ao contrário, é o estado oposto, manifestando-se em sentimentos de tristeza, desânimo, falta de fé e a sensação de estar distante de Deus e de Seu amor.

Às vezes, consideramos que o processo de discernimento só se aplica às grandes escolhas de vida. Mas não deve ser assim. Viver em atitude de discernimento é uma arte que todo cristão pode e deve cultivar, pois é ela que nos permite estar atentos aos constantes desafios e toques de Deus. O Senhor sempre tem algo a nos dizer, seja nas grandes questões ou no cotidiano. No entanto, é verdade que, especialmente em momentos de grandes decisões, essa arte deve ser exercida com mais atenção. O exame de consciência diário, a oração frequente, o envolvimento em um apostolado e a prática dos Exercícios Espirituais ajudam muito nesse processo. Cada vez mais pessoas os procuram, pois continuam sendo o modo mais eficaz de ordenar nossa vida e buscar a vontade de Deus para ela.

É um caminho que se faz sozinho com Deus?

É melhor que seja acompanhado! Santo Inácio de Loyola reconheceu esses sinais de Deus por meio de sua experiência pessoal: durante a convalescença em Loyola, refletindo sobre duas possibilidades para seu futuro (dedicar-se a Deus ou seguir na vida de nobreza), Inácio, contra todas as probabilidades, acabava sentindo paz e alegria com a primeira opção e vazio e inquietação com a segunda. A partir dessa experiência, ele escreveu pequenas regras para o discernimento dos espíritos (internos), que são parte dos Exercícios Espirituais e ainda hoje uma referência para interpretar o que experimentamos interiormente ao nos colocarmos em diálogo com o Senhor. Mas, durante todo esse tempo, Santo Inácio também procurou esclarecer-se e confrontar o que sentia com outras pessoas (especialmente seus confessores), para confirmar que estava seguindo o caminho de Deus e não o seu próprio.

Por isso, é recomendável que esse caminho de descoberta de Deus e de nós mesmos seja acompanhado por alguém com experiência espiritual, que nos ajude a dar sentido aos chamados de Deus na oração e a distinguir nossos sentimentos e pensamentos. Esse acompanhamento também ajudará a tomar consciência dos bloqueios e defesas, conscientes ou inconscientes, que colocamos diante de escolhas mais exigentes ou difíceis, que podem implicar algumas rupturas ou escolhas que nos levem a deixar de lado certas coisas boas. O acompanhante não é alguém que toma decisões por nós, nem um simples “amigo próximo”, mas alguém que ajuda a libertar dos medos e preconceitos infundados, além de reconhecer e aprofundar a presença de Deus na vida da pessoa.

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