Por Ronnaldh Oliveira
O documento final do Sínodo sobre a Sinodalidade sublinha a urgência de uma ação pastoral no ambiente digital, destacando como o espaço e o tempo se reconfiguram na cultura digital, especialmente entre os jovens, habitantes nativos desses continentes.
Este fenômeno está transformando profundamente a forma como se constroem vínculos, compartilham ideias, sensações, sentimentos e formam comunidades sociais e eclesiais. Há uma nova ótica de procura e vivência da espiritualidade e da fé. No número 113 do documento sinodal, o texto nos alerta: “As possibilidades que a rede oferece reconfiguram relações, vínculos e fronteiras. Embora hoje se esteja mais conectado que nunca, frequentemente se experimenta a solidão e a marginalização.” Esta realidade, embora paradoxal, reforça a necessidade de que a Igreja atue verdadeiramente de maneira profética neste ambiente, sendo pastoral, samaritana e acolhedora, olhando metafisicamente para além das timelines infinitas.
A chamada missão digital da Igreja tem sido uma preocupação presente no Magistério recente. Desde Bento XVI até o Papa Francisco, a Igreja tem insistido em transformar o ambiente digital em um lugar de acolhida, comunhão e anúncio do Evangelho. Bento XVI, na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2010, já advertia para o perigo de um isolamento digital, incentivando a Igreja a transformar as redes em “portas de verdade e fé” e a utilizá-las para a construção de uma verdadeira comunidade.
O Pontífice alemão já chamava esses ambientes de “continentes” e motivava veementemente que a Igreja ousasse a partir das novas linguagens, habitar esses lugares e dialogasse com todos que estão ali.
Além disso, Francisco tem reiterado a importância de uma presença eclesial ativa no ambiente digital, combatendo a manipulação e polarização crescentes. Em 2019, ao falar sobre o papel dos cristãos nas redes, disse que a “comunicação deve estar ao serviço de uma cultura do encontro, mais do que de uma cultura de confronto” (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2019). Esta proposta encontra um eco no documento sinodal ao indicar que a rede pode ser utilizada para “oferecer formação entre iguais” e para “desenvolver uma modalidade sinodal de ser Igreja”.
A dimensão profética e a necessidade de formação
Para que a presença digital da Igreja seja verdadeiramente pastoral, ela precisa se posicionar como um lugar profético. O Papa Francisco, na exortação apostólica Christus Vivit, recorda aos jovens que “é preciso fazer com que o fogo da fé chegue ao coração da cultura digital, ajudando a Igreja a evangelizar através da comunicação” (CV, 86). A Igreja, ao promover e habitar de forma ética e responsável as redes, pode oferecer um testemunho que contrasta com o individualismo e a manipulação, ampliando espaços de diálogo, pertença, reflexão e relacionamento. Não pode ser algo dado, mas construído de forma comunitária.
Contudo, a presença na rede exige uma formação adequada e constante. O número 113 do documento sinodal incentiva as comunidades cristãs, especialmente os grupos jovenis, a refletirem sobre a criação de “vínculos de pertença” e a promoção do “encontro e diálogo” no ambiente digital. Este compromisso precisa ser sustentado com recursos e formação, capacitando agentes pastorais, religiosos e leigos para uma atuação digital que favoreça a evangelização sem polarizar, como Francisco pontua na encíclica Fratelli Tutti: “Não é possível aceitar que no debate público tenham mais espaço as polarizações do que o encontro, porque isso compromete a paz” (FT, 260).
Caminhos para uma Igreja digital sinodal
A missão digital não se trata apenas dos reels de pregações recortados para engajamento, récitas de terços em lives ou vendas de cursos catequéticos, mas um exercício da própria sinodalidade, onde todos são chamados a contribuir com suas capacidades e experiências. Não se faz uma missão digital sozinho, mas como Igreja, nela e a partir dela, como já recorda o Subsecretário da Secretária Geral do Sínodo, Luís Marin de San Martin, O.S.A.
A rede, “composta de conexões”, como o documento sinodal descreve, é um campo fértil para viver a sinodalidade, convidando os fiéis a construírem uma Igreja que caminha junta, mesmo nos espaços digitais. Esta visão reflete o apelo feito por Francisco para que a Igreja seja “polifônica”, ou seja, aberta à diversidade de vozes e estilos que refletem as múltiplas culturas e realidades (Evangelii Gaudium, 117).
A ação missionária no espaço digital é de fato impulsionada pelo Espírito Santo quando há de fato um discernimento, comunitário, a luz do Evangelho e da vida eclesial. Ao se deparar com discursos de ódio, violentos, homofóbicos, desumanos, fardosos, já é matéria para perceber que essa missão é infrutífera e tende a ser mais cedo ou mais tarde a se findar como a figueira da Sagrada Escritura, que não deu frutos.
Nessa perspectiva, o ambiente digital torna-se não apenas uma plataforma de evangelização, mas uma “escola de fraternidade” onde é possível experimentar uma comunhão que supere barreiras geográficas e culturais. Em Christus Vivit, Francisco desafia os jovens a serem “influenciadores para Deus” (CV, 105), sugerindo que a presença cristã nas redes deve estar fundamentada no testemunho e no compromisso com a construção de pontes ao invés de muros que geral mortes e não vida.
Lugar profético
O apelo do Sínodo sobre a Sinodalidade para que a Igreja abrace a missão digital é um convite a transformar a rede em um verdadeiro “lugar profético de missão e anúncio”. A Igreja deve aproveitar as possibilidades oferecidas pelas redes sociais para promover uma comunicação que se aproxime, acolha e caminhe junto. Ao mesmo tempo, precisa estar consciente dos desafios e perigos que o ambiente digital apresenta, sem deixar de investir recursos para preparar agentes que atuem com responsabilidade e discernimento.
Neste sentido, a Igreja cumpre sua vocação sinodal ao tornar-se mais presente no ambiente digital, promovendo um espaço de encontro e diálogo, e oferecendo ao mundo um testemunho de participação, comunhão e missão. Como nos diz o Papa Francisco, “nossas palavras e ações deveriam manifestar a compaixão, a humildade e a bondade, e não o juízo e a condenação” (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2021). A missão digital, então, é chamada a ser um testemunho de esperança, enraizado no Evangelho e voltado para uma verdadeira cultura do encontro.
Bibliografia
- Documento Final do Sínodo sobre a Sinodalidade, nº 113.
- Bento XVI. Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2010.
- Francisco. Exortação Apostólica Christus Vivit, 2019.
- Francisco. Encíclica Fratelli Tutti, 2020.
- Francisco. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 2013.
- Francisco. Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2019, 2021.