A reflexão desenvolvida até aqui permitiu-nos perceber que toda compreensão de missão supõe, de modo explícito ou implícito, uma determinada imagem de ser Igreja, um modo de organizar a vida eclesial e um horizonte no qual se inscrevem os gestos, os discursos e os processos pastorais. Quando a missão é reduzida a atividades programáticas, a estruturas ou a programas, corre-se o risco de confundir o anúncio do Evangelho com uma pastoral de conservação e manutenção, que já não é capaz de comunicar a vitalidade que o encontro com Jesus provoca no coração das pessoas.
Não devemos esquecer que a missão tem sua origem na vida mesma da Trindade, como nos lembra do Concílio Vaticano II (cf. Ad Gents, n.2). O amor fontal de Deus manifesta-se de modo pleno e perfeito no dom do Filho e se presentifica no decorrer da história pela ação potente do Espírito. Neste sentido, a vida de Jesus transparece como límpida comunicação do desígnio divino. Por isso, a missão tem na vida de Jesus e na experiência fundante da comunidade dos primeiros discípulos um excelente referencial.
Isso nos leva a considerar missão, cada vez mais, como um modo de ser, viver e agir no mundo, uma maneira concreta de relacionar-se com Deus, com os outros, consigo mesmo e com a realidade socioambiental. É o dinamismo da missão que faz nossa vida se configurar com a própria vida de Jesus: sua compaixão pelos pobres, sua proximidade com os excluídos, sua liberdade diante do poder, sua sensibilidade diante do sofrimento, sua fidelidade ao Reino do Pai. Onde há vida, há missão; onde o Reino suscita gestos de proximidade, emerge a missão; onde a dignidade humana é tocada, ferida ou ameaçada, ali a missão é chamada a florescer.
Voltar a Jesus de Nazaré: o missionário do Pai
A renovação da Igreja está ligada diretamente ao encontro pessoal que fazemos com Jesus Cristo. O encontro nos faz voltar às fontes para recuperar o frescor original do Evangelho. Esse caminho, por mais óbvio que pareça, não parece devidamente percorrido. Infelizmente, o ambiente eclesial reflete aquilo que o Papa Francisco já alertava na Evangelii Gaudium: formas desvirtuadas de viver a missão cristã que obscurecem o seguimento de Jesus e enfraquecem a missão da própria Igreja. O mundanismo espiritual aparece como corrupção disfarçada de bem, onde a fé se reduz ao culto de si mesmo: seja pelo subjetivismo que absolutiza a experiência individual, seja pela segurança autorreferencial que controla processos pastorais e transforma a liturgia e a doutrina em vitrines de prestígio, muitas vezes indiferentes às feridas humanas e sociais do povo. Um mundanismo, portanto, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja. Que busca, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal. De acordo com o Papa Francisco,
Este mundanismo pode alimentar-se sobretudo de duas maneiras profundamente relacionadas. Uma delas é o fascínio do gnosticismo, uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. A outra maneira é o neopelagianismo autorreferencial e prometeico de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente (Evangelli Gaudium, 93-94).
Somam-se a isso propostas de espiritualidades pouco sadias, marcadas por individualismo, fuga da realidade, busca de bem-estar religioso e ausência de compromisso fraterno, sem comunidade. Espiritualidades que não geram encontro, muito menos comunhão. Há também modelos de vida social que impedem essa renovação eclesial. Esquemas determinados pelo pragmatismo cinzento e pelo relativismo prático que age “como se Deus não existisse”, levando as juventudes a se agarrarem ao mérito do lucro e aos espaços de poder em lugar de assumir a cooperação e a corresponsabilidade missionária. E pior, esse cenário de promoção do egoísmo e da autossuficiência provoca o que Francisco denunciou como guerra entre as pessoas e, sobretudo, entre as juventudes manifestada em divisões, calúnias e rivalidades que fragmentam a comunhão e reduzem as expressões juvenis e os demais grupos a experiências fechadas em si mesmas, incapazes de testemunhar a beleza do Reino de amor e justiça. No entanto, o primeiro passo para essa renovação é reconhecer essas distorções para, em seguida, dar o segundo passo indispensável, porém difícil: reencontrar o caminho simples e libertador de Jesus de Nazaré. Em outras palavras: voltar ao Evangelho.
Nas palavras do Papa Francisco, a missão da Igreja nasce quando ela redescobre “o frescor original do Evangelho” e se converte a um estilo de vida evangélico, que toca a realidade concreta das pessoas. A imagem “Jesus de Nazaré”, escolhida aqui, não é sem razão. Por muito tempo resumimos a consideração sobre Jesus, localizando-o entre os judeus. Um jovem judeu marginal, é verdade, mas um judeu. Reconhecê-lo como pertencente a um povo concreto sinaliza a veracidade de sua encarnação e comprova que Jesus reconcilia em si a profundidade da experiência de Deus e a simplicidade da vida humana concreta.
Acontece que, entre os judeus, Jesus era Nazareno. Isso não é um detalhe desprovido de importância. Isso muda tudo. O jovem Jesus carregou o peso da periferia: “Nazaré”, essa pequena aldeia situada longe dos centros religiosos e políticos que serve para recordar que Deus inaugura seu Reino a partir dos lugares considerados irrelevantes (Jo 1,46). Como disse o Apóstolo Paulo: “Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte; Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante” (1Cor 1, 27-28).
Em Nazaré, Jesus se desenvolve psicossocialmente entre as pessoas comuns, compartilha da sociabilidade e da organização de trabalho estabelecida entre seus conterrâneos. Conhece a dureza da vida na Galileia e aprende com o seu povo, mais especificamente com sua mãe, o modo de interpretar os sinais do Reino na tessitura humilde do cotidiano. Um jovem profundamente enraizado na vida do povo, que “sente com as entranhas” a dor dos excluídos, que se deixa tocar pelas lágrimas e que não passa indiferente diante de qualquer forma de sofrimento. Jesus, jovem galileu, como canta a canção, é a presença humanizadora de Deus na história, aquele que ilumina, cura, levanta, reconcilia e liberta para o amor de Deus comprometido com a história.
De acordo com os relatos evangélicos, Jesus aparece sempre itinerante: caminha pelas aldeias (Mc 1,39), aproxima-se dos excluídos, come com pecadores (Mc 2,16), toca os leprosos (Mc 1,41), acolhe as crianças (Mc 10,14), reconhece a dignidade dos estrangeiros (Mt 8,10) e aponta o caminho de fé ali onde ninguém a via. Ele é o homem da misericórdia, cujas palavras e ações expressam compaixão e cujos gestos revelam um amor que conhece os discípulos e amigos pelo nome. É também o homem da justiça, que não suporta a opressão disfarçada de religiosidade (Mt 23), que desmascara hipocrisias, que denuncia práticas que esmagam os pequenos, e que proclama um Reino onde os pobres, os mansos, os humildes e os que choram serão consolados (Lc 6,20-23).
Sua profunda experiência de Deus como Pai alimenta no jovem galileu sua liberdade interior e sua confiança absoluta; sua prática pública de compaixão sara os enfermos, levanta os caídos, restabelece vínculos, reintegra pessoas e desarma medos. Ela dá vida em plenitude para que todos a tenham em abundância. Sua morte na cruz, resultado da violência política contra aqueles que amam até o fim, manifesta a fidelidade ao Pai e a seu desígnio de amor e salvação. E sua ressurreição é a confirmação de que essa forma de viver misericordiosa, justa, livre e próxima dos pequenos não acaba na morte, mas inaugura um horizonte novo de esperança para a humanidade.
Jesus de Nazaré: um caminho mistagógico da missão
De acordo com Jon Sobrino, não há dúvida que a prática de Jesus explica melhor do que qualquer outra coisa seu destino histórico de cruz, e inclusive ajuda a compreender seu destino transcendente – uma vez aceito na fé –, sua ressurreição como justiça de Deus para com ele. Numa palavra, cremos que se chega melhor ao interior de Jesus (a historicidade de sua subjetividade) a partir do externo de sua prática (seu fazer história). Neste sentido, merecem destaque os seguintes aspectos da vida de Jesus: o anúncio do Reino, a preferência pelos pobres e o confronto com os poderosos.
1. Anúncio do Reino: para compreender bem o significado e a centralidade do anúncio do Reino no projeto de vida de Jesus, é importante considerar, antes de tudo, que o Reino de Deus foi o conteúdo central da sua pregação. Jesus não anunciou a si mesmo. Ele se fez “evangelista do Reino”. Essa realidade misteriosa, comparada a uma semente de mostarda (discreta e potente) foi a causa de sua vida.
É bem verdade que a esperança judaica no tempo de Jesus, em alguma medida, alimentava a expectativa do Reinado de Javé e que esse seria instaurado com a chegada do Messias. No entanto, essa expectativa ficou frustrada porque, enquanto os judeus associavam o Reinado de Deus com intervenção político-militar-econômica (nos moldes dos reinos do mundo), Jesus anunciou e instaurou o Reinado divino a partir de outro lugar e de outras forças. Ao invés de destiná-lo aos ricos, aos puros e às lideranças religiosas, Jesus deixou claro que os destinatários do Reino eram, em primeiro lugar, os pobres, os marginalizados e os pecadores. E demonstrou isso com sua prática, sempre preferindo os excluídos.
2. A preferência pelos pobres: no grupo dos preferidos de Jesus estavam os necessitados dos meios básicos para sobrevivência (pobres materiais); os excluídos socialmente (mulheres, estrangeiros, doentes, idosos e crianças) e os pecadores que acabam sendo vítimas de uma dupla exclusão: social e religiosa. Como bem lembrou o Papa Leão XIV, “esta ‘preferência’ não diz respeito a um exclusivismo ou a uma discriminação em relação a outros grupos, que em Deus seria impossível; ela pretende sublinhar o agir de Deus que, por compaixão, se dirige à pobreza e à fraqueza da humanidade inteira e que, querendo inaugurar um Reino de justiça, fraternidade e solidariedade, tem particularmente a peito aqueles que são discriminados e oprimidos” (Dilexit Te, n.16). A preferência de Jesus pelos pobres e excluídos é a consequência prática do ideal preconizado pelo Reino que Ele anunciou. O que, obviamente, incomodava os poderosos.
3. Confronto com os poderosos: a vida de Jesus não foi uma vida isenta de conflitos. Só com o grupo dos fariseus podemos contar cerca de 15 episódios conflituosos narrados nos textos dos evangelhos sinóticos. E com os Sacerdotes e chefes do Templo, outros 10. Isso para provar que ao longo de sua vida Jesus enfrentou diversos conflitos em nome do Reino e da vontade de Deus.
Esses conflitos foram acentuados pelo contexto de tensão, que existia na Galileia, entre o campo e a cidade, entre as elites urbanas e o campesinato. Jesus era camponês; não nasceu, nem foi educado em uma grande cidade ou pertenceu a uma família de renome. A isso, soma-se sua atitude crítica com respeito ao Templo. Diversas vezes Jesus desmascarou a hipocrisia religiosa que existia em torno do Templo e de seu culto. Isso incomodou os privilegiados que usurpavam a fé do povo em benefício próprio. Essa sua postura incomoda, logo foi tratada como ameaça ao poder instituído e, pela manipulação das lideranças religiosas, foi vista como ameaça ao poder político romano. A consideração de sua vida como contestadora do status quo é atestada por sua condenação à crucificação.
Esses elementos compõem o elenco dos principais aspectos da vida Jesus que podem inspirar o acompanhamento das juventudes a partir da missão. A eles, no entanto, precisamos acrescentar um elemento afetivo de suma importância: a compaixão. Os evangelhos sinóticos a mencionam, pelo menos, 12 vezes, confirmando que Jesus era dotado de um coração παθητικός (pathētikós), capaz de afetar-se, comover-se e mover-se por um amor visceral.
Essa característica distintiva de Jesus comparece, por exemplo, na narrativa de Matheus: “percorria as cidades e povoados ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte de doenças e enfermidades. Ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 25-36). E é atestada, também, por Marcos: “Assim que ele desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por eles” (Mc 6, 34). A compaixão de Jesus, no entanto, não se destinava apenas “às multidões”, como se seu amor pudesse ser retórico e abstrato, voltado à massa e distanciado das pessoas concretas. Não! Como atesta o evangelista Lucas, a compaixão do Senhor também era personalizada. Veja o caso da viúva de Naim: “Jesus foi a uma cidade chamada Naim. Ao se aproximar da porta da cidade, coincidiu que levavam a enterrar um morto, filho único de mãe viúva. O Senhor, ao vê-la, ficou movido de compaixão para com ela” (Lc 7, 11-13). E o mesmo aconteceu com os dois cegos na saída de Jericó: “Movido de compaixão, Jesus tocou-lhes os olhos e, imediatamente, eles recuperaram a visão” (Mt 20, 34).
A compaixão é uma característica marcante da personalidade de Jesus. É, podemos dizer, o seu jeito próprio de amar. De fato, como nos lembrou tantas vezes o saudoso Papa Francisco, Jesus “é a compaixão do Pai por nós” (Angelus, 14 de julho de 2019). Ele é o bom samaritano que veio ao nosso encontro. Ele, diz Santo Agostinho, “quis ser chamado nosso próximo. Pois o Senhor Jesus Cristo representa-se a si próprio sob os traços daquele homem que socorreu o pobre caído no caminho, ferido, semimorto e abandonado pelos ladrões” (A doutrina cristã, I, 30.33).
Amando com um coração que se deixa afetar, Jesus nos afasta do “deus dos filósofos”, que é experimentado como uma experiência puramente cognitiva, e nos distancia do “deus ex machina”, distante, alheio e indiferente a qualquer realidade humana. Ao contrário, possibilita o acesso e o anúncio de um Deus apaixonado pela humanidade. Um Deus que, como lembrou o teólogo Adolphe Geschè (1928-2003),
nos coloca no norte de nós mesmos. Um Deus verídico que diga uma palavra verídica sobre nós, isto é, uma palavra que nos verifica, torna-nos verdadeiros. Em resumo, um Deus que não seja divindade, mas Deus. […] Um Deus que acima de tudo não é excrescência de nossas obsessões de poder, mas convite e liberdade, persuasão mais do que mandamento. Que se oferece e aceita ser recusado. Que não é mais um Deus do olhar, mas do desvelamento, da invenção. Reinvenção da universalidade no particular. Promessa, aventura. Não transcendência incandescente, tampouco imanência asfixiante, mas sim transcendência na imanência. Um Deus que seria o Invisível que indica o visível. Que ama o corpo a ponto de pedi-lo para si próprio. Que abre o indizível ao dizível. Um Deus que recusa a homenagem das falsas culpabilidades e que reestabelece a esperança e a confiança. Um Deus que nos fala com inteligência, e não no labirinto de ignorâncias. Um Deus que seja vivacidade de um projeto e uma eterna invenção. Um Deus que desperta em nós nosso próprio murmúrio. E o do outro, a quem nos pede que estejamos sempre atentos.
Voltar ao Evangelho e, portanto, a Jesus de Nazaré, que foi testemunhado pelos primeiros cristãos, é a chave para uma vivência missionária em sintonia com a fonte da missão: a Trindade. Porque a nossa missão não é outra coisa senão continuar e presentificar a missão de Jesus cujo centro é o Reino de Deus e os destinatários preferenciais e sujeitos são os pobres e excluídos. A missão, como nos ensina as juventudes, liberta e emancipa para o anúncio. Liberta para viver o dinamismo do Reino tomados de compaixão e com corajosa disposição para enfrentar os desafios e as perseguições que lhes são inerentes.
Para onde a missão conduz: voltar a Jesus para construir caminhos cheios de esperança
A reflexão feita até aqui nos reconduz ao essencial: a missão emerge de um modo de existir inspirado no próprio Jesus de Nazaré. Quando reduzida a atividades, a missão perde seu vigor e se converte em pastoral de conservação. Quando reencontrada em sua origem, recupera o frescor do Evangelho e devolve-nos à sua natureza mais autêntica. Reconhecer as distorções que sufocam o frutificar do Evangelho na vida das juventudes não é um exercício que deve nos estagnar e nem mesmo nos fazer sentir desencorajados, mas, pelo contrário, é o primeiro passo para retomar o caminho: acompanhar as juventudes em experiências capazes de ajudá-las a sentir e saborear Jesus, o Reino e um estilo de vida que promove fraternidade, comunhão e justiça.
A religião oferece um projeto de sentido a partir da imagem de Deus que anuncia: não um sentido garantido por resultados externos, mas aquele que nasce das capacidades interiores da pessoa: memória, intuição, consciência e discernimento. Acompanhar as juventudes a partir desse horizonte consiste em propor caminhos ancorados na experiência de um Deus humano, próximo, revelado em Jesus, cuja vida e destino iluminam a vocação de cada jovem à liberdade e à dignidade. A fé não é submissão irrefletida ou ausentes de dúvidas e questionamentos, mas um caminho processual de tomada de consciência, como expressa a inquietação de Santo Agostinho de quem busca repouso apenas em Deus. Por isso, cabe a cada acompanhador de jovens fazer a experiência de encontro com Deus na profundidade de si mesmo, tornando-se mais humano e cada vez mais um “contemplativo na ação”, capaz de ver todas as coisas com os olhos do Reino e, assim, colaborar na missão de Deus neste mundo.
Para ser compreensível hoje, os acompanhadores de jovens precisam reconfigurar o modo como anunciam o amor de Deus: abandonar modelos do imaginário da cristandade e reencontrar uma forma de viver a fé que conjugue pertença eclesial e subjetividade comprometida com o Reino, que reconheça a presença de Deus no meio da vida e promova uma comunidade mais simples, evangélica e próxima das juventudes mais pobres. Nesse horizonte, Jesus de Nazaré é o verdadeiro referente: sua vida, morte e ressurreição revelam a utopia cristã da dignidade humana e oferecem à sociedade pós-moderna um caminho crível de sentido. Nele, Deus se torna acessível e a existência se abre a uma promessa de plenitude que permite viver e lutar por uma vida que realmente valha a pena, lutar pelo sentido da vida em plenitude.
Para acompanhar as juventudes, precisamos ter a clareza que Jesus de Nazaré é a fonte e o critério principal. Os jovens percebem nitidamente o que é autêntico e o que disfarce, hipocrisia e fake news. As juventudes aproximam-se de pessoas e comunidades que testemunham com verdade, justiça e amor a própria vida. Afastam-se de práticas rígidas, moralistas, violentas e autorreferenciais. Quando a comunidade e os acompanhadores de jovens se deixam iluminar pelo estilo de Jesus, sua criatividade, sua compaixão, sua coragem diante do sofrimento humano, tornam-se espaços abertos, acolhedores e seguros onde jovens podem tecer relações, sonhar futuros juntos, participar da vida social e, portanto, construir sentidos para suas vidas.
Por isso, torna-se evidente que a missão necessita de uma pedagogia própria, e é justamente sobre isso que falaremos na próxima semana. A experiência de Jesus de Nazaré, a sabedoria do acompanhamento das juventudes e a tradição espiritual da Igreja convergem para mostrar que o missionário precisa encontrar o Cristo amigo, converter-se e amadurecer em seu discipulado, e refletir e assumir fielmente sua identidade batismal, como aponta o caminho proposto na figura do “discípulo(a) missionário(a)” apresentada no Documento de Aparecida. Não nascemos prontos, mas aprendemos em comunidade a ver como Jesus, a discernir a partir e em vista do Reino, a aproximar-nos dos mais vulneráveis como Ele, a criar vínculos como Ele. A pedagogia missionária é, portanto, uma mistagogia encarnada, que introduz os jovens e os acompanhadores no mistério do Reino, na vivência da fé, e os ajuda a descobrir que a missão é nosso ser e implica sempre um agir, um engajamento, uma expressão de amor, fraternidade, alteridade e compaixão.
Referências
Concílio Vaticano II. Decreto Ad gentes sobre a atividade missionária da Igreja. Disponível em: < https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651207_ad-gentes_po.html>. Acesso em 10 dezembro 2025.
Estrada, Juan Antonio. Da salvação a um projeto de sentido: como entender a vida de Jesus. Trad. Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
Gesché, Adolphe. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004.
Pagola, José Antonio. Voltar a Jesus: para a renovação das paróquias e comunidades. Trad. Gentil Avelino Titton. Petrópolis: Vozes, 2015.
Papa Francisco. Angelus (14 de julho de 2019). Disponível em: < https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2019/documents/papa-francesco_angelus_20190714.html>. Acesso em 10 dezembro 2025.
Papa Francisco. Evangelii Gaudium. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>. Acesso em 10 dezembro 2025.
Santo Agostinho. A doutrina cristã. São Paulo: Paulus, 2002.
Sobrino, Jon. Jesus Libertador: a história de Jesus de Nazaré. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1996.







