Por Ir. Douglas Toledo

Falar de vocação é falar de algo que, com muita frequência, produz reações divergentes. Para algumas pessoas, vocação representa o que há de mais elevado, nobre e até essencial na vida humana. Por outro lado, muitos consideram a vocação como um serviço ou função excessivamente restrita, que pode ser vista como algo exclusivo para um grupo de escolhidos.

Isso porque, ao tratar desse assunto, imediatamente nos encontramos com as vocações ao ministério ordenado, à vida familiar, à vida religiosa, aos ministérios leigos, ao ministério da catequese, cada uma com suas particularidades. No entanto, muitas vezes não se menciona a vocação fundamental que é comum a todos os fiéis: a vocação cristã, a qual é precedida por um chamado ainda mais fundamental: a vocação para a vida.

Por essa razão, é essencial que compreendamos que todos somos vocacionados, uma vez que o chamado divino abrange cada indivíduo, cujo coração Deus anseia que se abra para estabelecer um diálogo sincero com o seu Criador: “Eu ainda estava no ventre materno, e Javé me chamou; eu ainda estava nas entranhas de minha mãe, e ele pronunciou o meu nome” (Is 49,1), afim de nos levar a viver uma vida repleta de amor.

Escutando a Voz de Deus

Como você provavelmente já experimentou, a vivência de escutar a voz de Deus é frequentemente desafiada pelas astutas investidas do inimigo da natureza humana, que procura nos afastar do caminho da verdade, tornando-nos alheios à voz divina. Nesse contexto, Santo Inácio de Loyola nos convida a cultivar uma familiaridade com essa voz, para que ela não nos seja estranha.

Entretanto, como podemos fazer isso? Ao conhecermos profundamente o Senhor que se fez humano por amor a nós, possibilitando que O amemos e O sigamos ainda com mais intensidade (EE 136-148). Jesus, afinal, declara que as ovelhas seguem o bom pastor porque reconhecem sua voz e jamais se deixarão conduzir por um estranho, pois não conseguem identificar a voz dos que não conhecem.

Certamente haverá momentos em que enfrentaremos dificuldades, momentos em que tudo parecerá extremamente complexo. Mas não podemos esquecer que Deus nunca deixará de nos amar e nos ensinar como responder a esse chamado de amor. A Bíblia está cheia de histórias fascinantes que nos mostram como desenvolver a incrível habilidade de ouvir a voz de Deus. E uma dessas histórias é a inspiradora jornada de Samuel, um jovem dedicado e fiel servidor (1Sm 3,1-19).

No início, Samuel não fazia ideia de que era o próprio Deus que o estava chamando. Quando o Senhor o chamou, ele imediatamente correu para Eli. É interessante perceber que Deus nos chama dentro do nosso próprio contexto cultural, agindo de acordo com os nossos valores e conhecimentos. Deus adota a lógica da encarnação, tornando-se parte da nossa realidade para que possamos compreendê-Lo e Ele possa se revelar a nós.

Mas à medida que a voz de Deus persiste em nos chamar, assim como aconteceu com Samuel, gradualmente desenvolvemos uma disposição de coração para voltar-nos ao Senhor e dizer: “Fala, pois o teu servo está ouvindo!”. E esse chamado divino nos desafia a sair da nossa zona de conforto, a explorar novos territórios.

A vocação é uma busca apaixonante pelo nosso lugar no amor. É como se estivéssemos seguindo uma trilha, em sintonia com a vontade divina. Essa vontade de Deus transcende teorias complexas e argumentações elaboradas, pois está enraizada na identificação profunda com Jesus. É em Jesus que encontramos o verdadeiro fundamento para a nossa vocação.

Jesus: O Fundamento da Vocação Cristã

A Carta ao Hebreus, começa dizendo que, tendo Deus falado em outros tempos e de muitos modos, no período final falou-nos na pessoa mesma de seu Filho (Hb,1,1) a fim de nos oferecer uma revelação definitiva. E essa manifestação concreta e pessoal é Jesus de Nazaré (Jo 1, 3-14) o carpinteiro, filho de Maria, morto crucificado em Jerusalém, feito de carne e sangue, que experimentou todas as experiências comuns aos seres humanos.

O apóstolo Paulo, em sua genialidade, reconhece Jesus como a suprema revelação de Deus, a “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15-20; 1Cr 6,8; 2Cr 4,4; Fl 2, 4-11). Em outras palavras, é através de Jesus que enxergamos e conhecemos a Deus: “Quem me vê, vê o Pai também” (Jo 14,9). Cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados, cuidando de todos como filhos e filhas. É em Jesus que encontramos o amor perfeito e a mais plena expressão da humanidade.

Recordemos as palavras de Jesus quando estava na sinagoga de Nazaré e leu as proféticas palavras de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar aos aprisionados a libertação, aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para anunciar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19; Is 61,1-2). Essa declaração de Jesus continua ressoando em nossos corações como um testemunho de sua missão e nos guia como uma bússola.

E a medida que nos entregamos à tarefa que ele nos confia algo verdadeiramente extraordinário acontece: a essência de Cristo começa a se manifestar em nós. Tornamo-nos seres que pensam, sentem, desejam e agem como Ele. É como se estivéssemos nos tornando canais, através dos quais o Senhor pode agir e deixar sua marca indelével neste mundo maravilhoso.

Diante disso, sendo um ato que brota do mais profundo do ser, a vocação não pode ser confundida com a inclinação para exercer determinado serviço ou para executar algo, alguma atividade. A vocação é um chamado para amar, é chamado a ser sal da terra, luz do mundo e brilhar do alto para todos (Mt 5,13-16).

Que o Espírito Santo, com sua criatividade divina, nos inspire a abraçar nossa vocação com entusiasmo e coragem, guiando-nos na jornada de nos assemelharmos a Cristo ao mirar sua imagem (Ef 4,13), transformando-se no nosso jeito de ser.

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