Mês das Vocações | Leigas/os

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Em agosto, a Igreja nos convida a refletir e rezar sobre nosso sentido de vida, nossa realização plena a partir da concretização das diversas vocações. O Programa MAGIS Brasil convida todas as juventudes, em comunhão com a Campanha Ser Mais Amazônia, a conhecer e vislumbrar a vida de pessoas que se doam junto às comunidades tradicionais amazônicas.

Nesta última semana do mês, celebrando a vocação das leigas e leigos, conversamos com a Raimunda e o Arlen, que doam seus dons cotidianamente junto das realidades da Amazônia. Confiram abaixo o relato dos dois.

 

Raimunda Paixão Braga / Ray (70), amazonense, natural de Santo Antonio do Iça / AM, é missionária e não é ligada a nenhuma congregação religiosa. Membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) há 31 anos e faz parte da Equipe Itinerante há 17 anos.

 

Arlen Patrick Tapajós De Sousa Tapuia (20), paraense, natural e morador de Santarém / PA, é músico na Igreja Menino Jesus, Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e faz parte da equipe do Espaço MAGIS Santarém.

 

1 – Qual seu serviço hoje junto dos povos amazônicos? Como ele acontece?

Ray: Meu serviço é estar junto, com os povos, na sua luta pela vida humana e do planeta, sendo solidária, na convivência do dia a dia. Isso acontece de várias maneiras: visitando as comunidades, estando junto nas suas lutas por seus territórios, defendendo e cuidando da casa comum. Anunciando a Boa Nova Divina, denunciando as injustiças, que explora, mata e destrói toda a natureza. Escutando e participando da sua vida cotidiana, estando juntos, nos momentos de dores, de alegrias, apoiando suas iniciativas, em busca do bem viver para todas as pessoas que querem um mundo justo, fraterno e solidário.

Arlen: Sou liderança jovem indígena, membro do CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns). Atual coordenador do departamento de jovens indígenas, o CITA é o Conselho que representa os 13 povos e 73 aldeias do Tapajós e Arapiuns. Também sou representante político das etnias Borari, Munduruku, Tupinambá, Tapuia, Arapium, Cumaruara, Tapajó, Maytapu, Arara Vermelha, Apiaka, Cara Preta, Tupayu, Jarak e dos municípios de Santarém Belterra e Aveiro, com o objetivo de defender os direitos indígenas, sobre a defesa dos nossos territórios, educação diferenciada e permanência na universidade. Esse departamento é um meio de preparar os jovens pra realidade que é vivida fora das aldeias.

 

2 – Como você começou a perceber a importância da Amazônia e as possibilidades da sua atuação nela, principalmente diante sua vocação?

Ray: Eu nasci na Amazônia, tenho-a como fonte de vida, como uma Mãe que cria e sustenta seus filhos. Meus pais sempre me ensinaram a amar, respeitar e cuidar o que o Grande Universo criou para todas suas criaturas. Sou de uma cultura que trabalha para viver, não vive para trabalhar e acumular. Cuidar do que é de todos, este é nosso maior dever. Sinto muito forte o direito e o compromisso de cuidar e proteger a vida e os territórios.

Sinto muita tristeza quando vejo a destruição da nossa Amazônia. Vejo e sinto que é obrigação minha e de todos nós, amar e cuidar da Amazônia, como dádiva de Deus, e posso dizer que a Amazônia é patrimônio sagrado de toda a humanidade. Por isso, sinto que minha e nossa principal vocação humana e cristã é cuidar deste grande território Sagrado, onde estão as belezas e as forças Divinas de várias maneiras: os grandes Espíritos dos rios, dos Igarapés, das cachoeiras, das chuvas. Dos peixes. Das matas com todos os seus mistérios Divinos, dos nossos ancestrais e de todas as forças sagradas que cuidam de nós e nos protegem.

Arlen: Já nasci com o espírito da floresta. Para nós indígenas, a Amazônia é nossa família, onde tratamos ela como nossa mãe, o rio não apenas sacia nossa sede ou mata a nossa fome. Ele simboliza o sangue dos meus antepassados, a seiva que percorre nas árvores significa a existência do meu povo e a terra a cinza dos meus avós. Sempre fui de ir à luta desde muito novo, já atuava nos movimentos, meu povo me escolheu pra liderar a futura geração de meu povo. Desde então assumi o cargo de cacique juvenil, com dificuldades e sem saber falar português vim para cidade, com objetivo de levar conhecimento para compartilhar na aldeia.

Percebendo a realidade diferente morando na cidade e principalmente por ter enfrentado muita dificuldade, me senti no dever de ajudar meu povo para que não passasse pelas mesmas situações. Hoje as coisas já mudaram bastante, mas as lutas ainda são constantes. Graças ao pouco de conhecimento que adquiri, ajudo outros jovens, assim como eu, a ser protagonista da sua própria história.

3 – Qual maior desafio que você vê hoje para essa região?

Ray: O maior desafio que todos nós percebemos, sentimos e vivemos é a destruição da Amazônia, através dos projetos faraônicos do capitalismo selvagem que valoriza o lucro em detrimento e destruição da vida. E, diante de tudo isso, dos  Governos que temos, a gente se sente impotente. Outro desafio é a passividade do povo (grande parte), que não percebe ou se percebe, estão de braços cruzados, vendo tudo acontecer. Todos nós sabemos dos riscos que estamos vivendo com toda essa destruição que tem nome: ganância, lucro, poder. “Viver é muito perigoso: Não tanto pelas pessoas que fazem mal, mas por aquelas que ficam sentadas para ver o que acontece”! (Albert Einstein)

Arlen: Hoje além da permanência na universidade, vivemos em luta diária contra as madeireiras ilegais e garimpos. Estamos perdendo nossas terras, lideranças estão sendo mortas, estamos sendo massacrados aos poucos. Em meio a todos esses problemas eu diria que o principal desafio de nós indígenas é manter nossas tradições e a permanência nos nossos territórios. Aos poucos estamos perdendo nossa cultura, nossa língua, e aí entra a importância do protagonismo jovem nos movimentos.

 

4 – Qual maior alegria que você já viveu ou vive no cotidiano dessa região?

Ray: Minha maior alegria é viver com os povos sofridos, porque sou povo também e sentimos na pele todas as dores da destruição e da morte dos pequenos e da terra Mãe (pequenos grupos de Israel), que lutam com garra, com fé e esperança, em busca de vida e vida em abundância. E pretendo viver na luta, com todos que lutam, denunciando as injustiças e todo o sistema de morte. Como dizem os parentes macixi, vamos continuar na luta até o último índio, até a última pessoa, capaz de defender a vida e este chão sagrado. Tenho certeza que o Deus e as Deusas da vida e da história caminham conosco para nos encorajar e jamais nos deixarão no caminho.

Arlen: Minha maior alegria é ver os jovens cada vez mais presentes nas lutas e ver que, mesmo com as dificuldades, nos unimos e não fugimos à luta.

5 – O que você diria para as pessoas que ainda não vivenciaram a Amazônia?

Ray: Eu digo que abram os olhos! Que entrem em ação, antes que seja mais tarde! Que vivenciem este mistério Divino que Deus nos deu, de viver aqui na Amazônia. Nesta Amazônia rica e bela, com todas suas culturas, costumes e mistérios Divinos. Me dizia uma pessoa: “Agradeço a Deus, por estar aqui na Amazônia, vivendo tudo isso que muitos desejam viver e Não tem oportunidade”! Digo para os jovens, que ainda é hora! “Vem, vamos embora, que esperar, não é saber! Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. E os jovens, quando querem fazem acontecer, por que tem a força Divina. E para todo o povo de Deus que é do time de Jesus Cristo, digo: venham! Vamos juntos defender a vida e a vida da Amazônia, que consequentemente é a vida do Planeta.

Arlen: A Amazônia é nossa Casa Ancestral e Atual, desde sempre. Sua exuberante e gigantesca sociobiodiversidade garantiu ao longo dos tempos o surgimento e desenvolvimento de uma enorme diversidade sociocultural de povos, etnias, línguas, saberes, cosmovisões, ontologias e epistemologias, formados atualmente por povos indígenas, comunidades tradicionais, povos da floresta, ribeirinhos. Com essa condição orgulhosa de filhos da floresta, aprendemos ao longo de milhares de anos a conviver com ela, cuidando dela e tirando dela o que precisamos para viver dignamente, sem nunca ter colocado em risco sua exuberância e sustentabilidade existencial.

Foi assim que aprendemos a sentir a Natureza Amazônica como nossa verdadeira Mãe. Essa ideia de Natureza Mãe não é simplesmente uma expressão, mas é uma forma de vida, de existência. Mãe, porque a Natureza é nossa fonte de vida, nosso alimento, nossa casa. Ela cuida de nós e nós cuidamos dela. Quando falamos que a Floresta Amazônica é nossa fonte de vida, esse “nossa” não é apenas dos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, mas sim toda a humanidade. Para nós, a Natureza, as florestas, os rios e o ar formam um bem comum planetário, de humanos e não humanos. São bens comuns que não podem ser transformados ou tratados como mercadorias ou como propriedades particulares.

 

 

Confira as entrevistas relacionadas a:
– Vocação Sacerdotal
– Vocação Familiar
– Vocação Religiosa

Anote na agenda: 31 de agosto, às 19h, em nosso YouTube  e  Facebook teremos um painel ao vivo com as diversas vocações.

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