“Perguntar é mergulhar no abismo” (Exupèry)
Perguntar e responder são atributos do ser humano, ele se define mais pelo perguntar do que pelo responder. Perguntar é buscar sentido. Quem pergunta procura descobrir a verdade. Por outro lado, em toda resposta, por mais objetiva que seja, ainda resta o inexplicável, em toda clareza persistem as sombras, em toda convicção permanece uma dúvida.
A pergunta nos faz descobrir a grandeza no pequeno e o mistério naquilo que é óbvio, ela nos faz ficar assombrados pela percepção do extraordinário presente naquilo que é cotidiano. O perguntar é ousado, instigante. Perguntar contém desafio, provocação, leva dose de irreverência. Perguntar é interpelar, colocar em dúvida as certezas, é processo que desembaralha a verdade.
As perguntas tem uma força que não encontramos nas respostas
Somente enquanto perguntamos por algo, palpita em nós um impulso, um interesse que não se apaga enquanto não sacia nossa curiosidade. Perguntar-se na vida é o que nos mantém em busca. A pergunta é movimento. E só quando perguntamos é que emergimos à novidade, pois a pergunta move à busca de uma resposta criativa. Mais ainda, perguntar põe em crise certas convicções, ideias fechadas, modos arcaicos de viver.
Nem todas as perguntas são iguais. Ás vezes surge uma pergunta, algo que nos interessa e que queremos saber, e basta uma busca rápida, um click, para satisfazer esta pergunta. O importante é situar-nos frente a outro tipo de perguntas, as mais decisivas e essenciais, aquelas que não podem ser respondidas com um click e nos movem a uma tomada de decisão. São perguntas que atuam a um ritmo diferente e tem a ver com o núcleo escondido das pessoas e da vida.
É neste nível que surge a pergunta de Jesus aos seus discípulos. Jesus propõe a pergunta fundamental, “quem sou eu”, em dois tempos, para que a resposta dos discípulos se destaque sobre as opiniões do povo. A pergunta é desafiadora, e não simples curiosidade e inquietação, e se dirige a todos. Cada um tem de dar sua resposta. Ela exige uma tomada de posição, um ato de fé. Não fomos educados a elaborar perguntas, mas quase sempre a conservar respostas.
Injetamos respostas de perguntas que não foram feitas. Jesus, com sua pedagogia fundada em perguntas, nos coloca diante do mistério de Sua vida e de Suas opções. Responder à pergunta “quem é Ele” é comprometer-se com Ele, é assumir o caminho d’Ele, é arriscar-se n’Ele. Uma pessoa que se define tem força para interrogar, para arrastar, para mobilizar pessoas. Jesus é o homem que se definiu. Ele tem um sonho, um projeto. E surge diante das pessoas com força pessoal capaz de arrastar consigo. Ele passa e sua presença atrai. Sua pergunta arrasta, porque oferece um mundo novo, uma proposta nova.
Chama na vida e para a vida, arranca as pessoas da acomodação e as coloca em movimento, a caminho. A vida de Jesus se torna um preceito, uma maneira de proceder, um estilo próprio de ser e de viver. Jesus Cristo é o homem das “grandes viradas”, ou seja, é Aquele que muda os paradigmas e introduz novos parâmetros e referenciais, em torno dos quais se criam novas formas ou se renovam rumos e sentidos de coisas válidas do passado. Jesus passou a viver a partir de um sonho: a utopia do Reino. Tudo Nele vigorava na linha de uma experiência mística, brotava de dentro para fora, como acontece também com a expressão artística.
Questionar-se é um gesto ousado
para despertar o sentido da vida pessoal
Jesus era um artista, um construtor de mundos, um fazedor de coisas novas. Ele não tinha uma instituição em que pudesse se apoiar, tudo brotava de dentro. Jesus aproxima-se das pessoas. Não procura convencer, argumentar, ou fazer seguidores à base de discursos. Suas perguntas ousadas colocam em crise visões distorcidas, falsas concepções e ideias pré-concebidas a respeito d’Ele. Com sua pergunta, Jesus provoca uma radical decisão pró ou contra Ele, uma clara opção pró ou contra o Reino. Aos olhos de Jesus nada é mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem inquietações e buscas, sem a aflição das esperas e sem as consequências de um compromisso. Corações quietos, medrosos, petrificados não tem lugar no seu grupo. Somente vidas repletas de motivações, de criatividade, de entusiasmo e vitalidade podem fazer o caminho com Ele e correr o risco da Cruz.
Para buscar um objetivo mais sério, para ser mais humano, precisamos nos questionar. A pessoa cristã deve perguntar-se sempre a respeito da vida, da missão, da sua experiência de fé, da adesão à pessoa e ao projeto de Jesus Cristo. Quando a pessoa não se questiona, é porque prefere o desânimo, a acomodação, a permanecer em seus hábitos normativos. Por isso, interrogar-se é possuir sabedoria, ciência, arte, ética. Com as perguntas fazemos história, e a história é abertura para a aventura. E o seguimento de Jesus é a maior das aventuras.
Texto Bíblico Lc 9, 18-24
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