“Os Exercícios Espirituais alcançam o homem de hoje em seu desejo de entender-se a si mesmo, e oferecem ao homem de hoje uma chave importante para entender-se” (Cardeal Martini)
Até a época de Santo Inácio de Loyola, todo aquele que se sentisse chamado à santidade deveria naturalmente afastar-se do mundo e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos. Os monges e as monjas deviam esforçar-se por chegar à santidade dando uma importância grande durante todo o dia à atenção a Deus. Todo o dia estava orientado a manter a mente em Deus (ofício divino, liturgia em coro, etc.). O único trabalho permitido era um “trabalho” que não os distraísse de Deus. Seu principal dever era manter sua atenção em Deus.
Aqui entra Inácio: conforme crescia no Espírito, começou a ver as coisas de outra maneira. Ele começou a “ver Deus em todas as coisas”. Tudo lhe falava de Deus, e começou a pensar “porque” e “como” chegar à santidade. “Para que vivemos neste mundo?” Para conhecer, amar e servir a Deus. E assim ele fala em ordenar nossas vidas para servir a Deus.
Inácio insiste em servir a Deus naquilo que fazemos. Para ele isto é o mais importante; com isso ele vê que o estilo de vida apostólica, por sua natureza mesma, exige que ponhamos nossa atenção em outras coisas que não são Deus (trabalho, escola, família, relações sociais). Por isso devemos prestar atenção ao que estamos fazendo: “Para quê? Para quem? Com quê intenção? Qual a motivação? A inspiração?”
“Onde está teu coração? Qual é a tua intenção no que fazes?”
É característico da espiritualidade inaciana encontrar a Deus na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia: na vida familiar, no exercício da profissão, nas relações sociais, nas decisões éticas, na ação cidadã, no amplo tema dos direitos humanos, no campo da economia, na presença ativa em política, no mundo da cultura, no diálogo com os meios de comunicação, na navegação por internet.
Claramente a espiritualidade inaciana, em sua capacidade contemplativa na ação, está concebida para encontrar a Deus “no mundo”, na ação de Deus no dia-a-dia da vida cotidiana.
É óbvio que a espiritualidade inaciana faz referência à necessidade das “experiências fundantes”, ou seja, esses tempos densos de síntese pessoal, tempos de forte iluminação interior (“não sentíamos arder nosso coração?”), tempos que desencadeiam uma tensão dinâmica de inspiração espiritual, tempos que marcam toda uma vida.
A partir do “sentimento agudo do absoluto de Deus” podemos reconhecer que o específico da espiritualidade inaciana é encontrá-Lo nas mediações: o trabalho, o ofício ou a vida acadêmica, a relação familiar, a vinculação com outros na vida cívica ou política. É necessário fazer a passagem de uma espiritualidade de momentos densos pontuais (eventos) a uma espiritualidade de seguimento em todos os momentos e circunstâncias da vida, uma espiritualidade das chamadas “realidades cotidianas”. Santo Inácio assinala agudamente o sentido de nossa oração e de toda nossa espiritual: “para que cresça e suba de bem a melhor” (EE 331).
O ritmo da sociedade pós-moderna e, sobretudo, o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, pedem de nós recuperar a dimensão de profundidade em nossa vida diária. Padre Arrupe assim expressa: “uma experiência não refletida é uma experiência não vivida”.
A expressão “viver a vida” não é exaltar uma vitalidade superficial, muitas vezes frívola, senão viver a vida em profundidade. Para isso, é importante “ler” a jornada vivida, retomando e dando atenção às ressonâncias interiores de tudo aquilo que acontece no dia-a-dia, para considerá-las a partir do mais profundo de nós mesmos, pois o santuário da presença de Deus está nesse “espaço” de intimidade entre o Criador e a criatura.
Ler a jornada com os olhos de Deus para perceber por onde passa meu Senhor: trata-se de um tempo privilegiado para fazer mais profunda nossa vida cotidiana.
Textos Bíblicos: Jo 3 ,11-21 / Rm 8, 18-26
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