“Escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3)
Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal. Trata-se do eu original, aquele lugar santo, intocável, onde reside o lado mais positivo da pessoa. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal, dentro do coração, na dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde ela vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde partem as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do absoluto e do infinito da sua vida.
Na oração nosso coração se encontra diante da revelação do eu original, porque está enraizada na própria identidade de Deus. A pergunta básica da oração: quem sou eu, diante do Senhor? Supõe uma tarefa pessoal de assumir a própria experiência e responsabilizar-se por ela. Sem identificação será quase impossível um encontro profundo com o Senhor. O encontro comigo mesmo me aproxima do conhecimento de Deus.
É no coração que Deus marca encontro conosco
Uma oração bem feita, com lucidez, liberdade e escuta empática de toda nossa realidade pessoal acelera o processo de integração do eu comigo mesmo e amplia nossa vida para além de nossas pequenas fronteiras. Com efeito, orar é aproximar-se da verdade que nos faz livres, livres para ser eu mesmo, chegar no que sou chamado a ser.
Isso não é fácil, pois em nossa experiência há fatos ameaçadores e imagens negativas de nós mesmos. Frequentemente, preferimos ignorar partes do que somos, apagar da consciência episódios pessoais. Logo, nosso eu se dissocia e se desintegra. Uma pessoa amadurece reconhecendo suas experiências e vivências, assumindo-as em sua totalidade, expressando-as, integrando-as, configurando um ser que tem consciência da realidade de sua vida.
Dentro da Palavra de Deus está escondida nossa identidade. A Palavra fala daquilo que somos chamados a ser, diante de Deus não há o que esconder. A oração nos faz transparentes, revela nossa imagem real, nos ajuda a identificar-nos, para saber, profundamente, quem somos.
A oração é o lugar natural dessa descoberta
Por isso a oração cristã não é só adoração e culto, mas também descoberta de quem eu sou, da própria realidade pessoal, do mistério que habita em nós. Na experiência de oração o importante não é o que eu faço, mas o reconhecimento amoroso e agradecido daquilo que Deus realiza. É nessa manifestação divina que a pessoa descobre-se a si mesma. Ela começa a descobrir o seu ser (único, original, sagrado) quando mergulha no misterioso relacionamento com Deus, quando permite que o mistério experimentado se torne fonte de sua identidade. Mais ainda, ela saberá melhor quem ela é esquecendo-se de si mesma, aceitando perder-se, deixando que o amor a liberte de seu ego.
No processo dos Exercícios Espirituais descobrimos uma peculiar sintonia entre nosso eu mais profundo e a experiência com Deus. É como se uma misteriosa atração nos levasse a descobrir a nossa nova identidade. O encontro com Deus, a contemplação de Cristo, é também revelação do eu “escondido com Cristo em Deus” (Cl 3), ou seja, revelação da verdade do eu, onde descobrimos os traços de nossa própria fisionomia.
Texto Bíblico Jo 1, 19-30 / Fl 3, 4-16
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