Inacianidade: da estreiteza do ser à largueza do coração

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“Porque cada um deve persuadir-se que  na vida espiritual tanto mais aproveitará  quanto mais sair do seu próprio amor,  querer e interesse” (EE 189)

Exercícios Espirituais: experiência de rompimento de fronteiras profundas, de libertação e deslocamento voluntário, de saída do amor próprio, de alargamento (magis) do coração. Experiência que comporta emoção e descoberta, com sabor do risco, do perigo, da ousadia. Uma vez unificado interiormente, a pessoa exercitante pode arriscar-se no processo fronteiriço da Eleição.

A partir dos Exercícios surge uma pessoa internamente reconstruída, com vontade de sair daquilo que limita, empobrece, degrada. É a experiência de alguém que é impelido a lançar-se, romper limites, assumir novos riscos, deslocar-se para as novas encruzilhadas de si mesmo e da história.

Todo ser humano carrega em si mesmo a força do Espírito que rompe as fronteiras de seus egoísmos, que alarga a pessoa para além de si mesma. Da vivência dos Exercícios, brota uma convicção básica: Deus se comunica e atua imediatamente, sem fronteiras, sem necessidade de mediações estranhas e sem filtros. A pessoa abre-se ao bem mais universal como horizonte libertador, pessoal e comunitário. Mediante esta dimensão ela poderá e deverá viver permanentemente mergulhada na história fluente, numa atitude de permanente êxodo e disponibilidade.

Eleger é ampliar horizontes

Por tratar-se de um símbolo de movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade, a saída dos hebreus do Egito é um acontecimento que ajuda a entender o processo vivido nos Exercícios Espirituais. É fundamental mencionar que o Egito é, acima de tudo, um símbolo, por representar um lugar que já foi bom e deixou de ser. As analogias se tornam mais interessantes ainda se reconhecermos que a etimologia da palavra Egito – mitsraim –  quer dizer “lugar estreito”.

Todos nós nos deparamos com lugares que se tornam estreitos em determinado momento da vida. Esses lugares, que outrora serviram para nosso desenvolvimento e crescimento, se tornam apertados e limitantes. No processo de saída de um lugar estreito, temos uma descrição interessante do relato bíblico. Segundo o mesmo, o processo de saída esbarra num limite tão real e profundo como o mar. Arrependido por ter permitido a saída dos hebreus, o Faraó os encurrala junto ao mar. Entre o exército e o mar, os hebreus se voltam ao líder Moisés em desespero. O que fazer? Moisés consulta o Senhor, sua resposta é decisiva e intrigante: “Diga a Israel que marche” (Ex 14,15).

Conhecemos o final do relato bíblico em que o mar se abre. O futuro existe se o povo marchar. Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem do lugar estreito para a nova terra. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível. Não existe condição de marcha para quem realmente não se percebe em estreiteza. Na outra margem, não podemos nos esquecer de que nenhum lugar poderá ser amplo para sempre.

A estreiteza é uma condição da vida

Passar por um processo de mutação de maneira bem-sucedida é irromper em um outro lugar que não se sabia que poderia conter nosso “eu”. Construímo-nos a partir dos acampamentos que fazemos e do levantar dos mesmos. Quem não está desperto, perde a capacidade de detectar a estreiteza. Nossa insensibilidade e nosso fechamento se beneficiam daquilo que não rompe, que não põe em marcha. A mediocridade é a tentativa de permanecer acampado, não reconhecendo ou legitimando o mar que existe para ser transposto. “A mediocridade não tem lugar na cosmovisão de Inácio” (P. Kolvenbach).

Inácio, na Autobiografia, nos relata sua experiência de passagem pelo caminho estreito:empreendeu o caminho até Bolonha, e nele sofreu muito, sobretudo uma vez que perdeu o caminho e começou a andar junto a um rio, e este caminho, quanto mais andava, ia-se fazendo mais estreito; e chegou a estreitar-se tanto que não podia seguir adiante nem voltar para trás; de modo que começou a engatinhar-se, e assim, caminhou um grande trecho com grande medo, porque cada vez que se movia sentia que ia cair no rio. E esta foi a maior fadiga e trabalho corporal que jamais teve; mas, por fim, saiu do apuro” (Aut. 91).

Texto Bíblico Ex 14,10-31 / Mc 12,41-44 / Mt 7,13-14

 

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