“Talvez eu não soubesse andar pelo caminho,  se Deus não estivesse, como a aurora,  rompendo-me a neblina e o cansaço” (Pedro Casaldáliga)

Na vida de Santo Inácio há uma continuidade misteriosa entre Manresa e Montmartre, entre Montmartre e Roma. O que Deus comunicou a Inácio durante o retiro de Manresa foi o segredo dos seus itinerários. Ensinou-lhe as disposições indispensáveis para ouvir os seus apelos, reconhecer o seu Espírito, realizar passo a passo os planos que eram seus, de Deus.

E Deus precisava de um homem “segundo o seu coração”, que cumprisse a Sua vontade. Ao conceder a Inácio tamanha experiência do discernimento dos espíritos, Ele o conduziu até aquele extremo desprendimento pessoal onde o coração humano acaba respirando no universo de Deus, pulsando ao ritmo do coração de Deus, olhando o mundo com os olhos de Deus.

Olhar com os olhos de Deus

Uma palavra que, tanto para Inácio como seus companheiros gostavam, resume e simboliza a mentalidade inaciana: a peregrinação. Eles são essencialmente peregrinos, sem cessar a caminho duma Jerusalém ou de outra. Andam estradas afora, ao sabor de Deus, com os passos de Deus. A Estrada são todos os caminhos do mundo, da Espanha, da França, da Itália, da Índia, do Brasil. Mas é muito mais a trilha de mistério e luz que o Senhor os faz seguir no decorrer de suas longas caminhadas.

Na estrada do peregrino, há o despojamento, a pobreza, por vezes a fome e a sede, os caprichos das estações, a incerteza dos dias de amanhã. Há a liberdade do espírito, horizontes infinitos, sem limites nem constrangimentos, os ímpetos de adoração, de oblação, de ação de graças. Há o imprevisto, o acontecimento inesperado, favorável ou adverso, que é o melhor e mais seguro dos sinais de Deus, que comanda o ritmo da marcha, as paradas, as estadias, as partidas, as mudanças de rumo ou itinerário. Há o encontro com fiéis e infiéis, companheiros que só por algum tempo seguem caminho, ou pessoas companheiras que se mantém fiéis, amigas e amigos que ajudam, inimigos que espreitam, gatunos que roubam, pobres que compartilham o mesmo pão.

Deus já trilhava o caminho com ele

Finalmente, a Estrada aproxima a pessoa que se coloca como peregrino cada dia, a cada instante, da meta ainda escondida, mas certa. Ao voltar-se para trás, ele se dá conta de que o itinerário foi realmente maravilhoso, que a experiência o transformou, que está mais puro, mais livre, mais autêntico. Numa palavra, que Deus, que está no termo, já palmilhava a Estrada com Ele.

A oração, o discernimento e a eleição, são as medidas mais importantes para “andar no caminho certo”. É a parada, o pouso momentâneo onde acerta os ponteiros, orienta-se, faz a sua opção. Pausa de solidão, silêncio, reflexão e colóquio com Deus, a fim de ter a certeza de estar caminhando certo, de acordo com o itinerário de Deus.

Texto Bíblico  Gn l8, l-l5 / Mt 4, 23-25

 

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