Por que os jesuítas não têm um hábito típico?

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Ir. Douglas Turri, SJ

Essa é uma pergunta muito comum entre aqueles que desejam conhecer mais sobre a Companhia de Jesus e sua missão. Desde a sua fundação, a Companhia nunca teve um hábito único e obrigatório, e isso não é um descuido, mas parte da própria espiritualidade inaciana.

Em primeiro lugar, nosso modo de vestir também está sujeito ao discernimento em função da oportunidade apostólica. Ou seja, tudo o que fazemos — inclusive a forma como nos apresentamos externamente — deve estar a serviço da missão de anunciar o Evangelho. Há contextos em que usar a batina ou clérgima e se tornar explicitamente reconhecível como padre ou religioso é importante para o trabalho pastoral.

Por outro lado, existem situações em que a roupa religiosa reconhecível pode se tornar um obstáculo à nossa missão. Em certas realidades culturais, políticas ou religiosas, o uso de um hábito clerical poderia afastar as pessoas, gerar preconceitos ou dificultar o diálogo inter-religioso. É por isso que, para os jesuítas, não é o hábito que define a missão, mas sim a disponibilidade para ir aonde for necessário e servir da forma mais eficaz e sensível às realidades locais.

Santo Inácio de Loyola deixou bem claro nas Constituições da Companhia de Jesus (parágrafo 577):

“Quanto ao modo de vestir, três coisas se hão de ter em conta: em primeiro lugar, o traje deve ser modesto; deve em seguida ser adaptado ao país onde se vive; finalmente, que não esteja em contraste com a nossa profissão de pobreza, como seria se usássemos sedas ou tecidos finos. Devemos, portanto, abster-nos disso, a fim de praticar em tudo a humildade e o devido abatimento próprio para maior glória de Deus.”

Em outras palavras, Inácio nos ensina que nossas roupas devem ter três características principais:

Modéstia — nada de exageros ou ostentações;

Adequação cultural — que respeite o país ou o ambiente em que vivemos;

Coerência com a pobreza professada — ou seja, evitar roupas caras ou luxuosas, e ao mesmo tempo não se vestir maltrapilho, mas com simplicidade e dignidade.

Santo Inácio, então, não define um hábito para todos. Em vez disso, nos pede discernimento para que nos apresentemos de modo digno, simples e inserido na cultura local.

Assim, a vestimenta é compreendida como uma forma de servir à missão, não como um sinal externo obrigatório. Um exemplo histórico é São Francisco Xavier, missionário no Japão no século XVI. Para ter acesso à elite japonesa e propagar o cristianismo, ele se vestia como dignitário local — uma escolha estratégica que facilitava o diálogo e a evangelização.

As Normas Complementares das Constituições jesuítas lembram ainda que, no que diz respeito a roupas, alimentação e outras coisas externas, os jesuítas devem seguir o uso comum e aprovado dos padres respeitáveis nos países em que vivem. Ou seja, devemos nos vestir de forma que seja bem-vista pela comunidade local e ajude nossa missão, sem criar barreiras ou distâncias desnecessárias.

Além disso, a exortação apostólica Vita Consecrata do Papa João Paulo II ressalta:

“Os Institutos que, já desde a origem ou por disposição das suas constituições, não prevêem um hábito próprio, cuidem de que o vestuário dos seus membros corresponda, em dignidade e simplicidade, à natureza da sua vocação.” (n. 43)

No fundo, é isso que explica por que os jesuítas não têm o hábito que muitos imaginam. A forma como nos vestimos é fruto de discernimento apostólico: deve sempre servir à missão, ajudando-nos a evangelizar e a nos aproximar das pessoas, com simplicidade e dignidade, construindo pontes com as culturas e os contextos em que estamos inseridos.

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