Por Alexander Zatyka, SJ (Revista magis México)

Depois de descrever o ideal da vida humana — a comunidade centrada no amor compartilhado que Santo Inácio descreve no “Princípio e Fundamento” — ele apresenta, nas meditações da primeira semana dos Exercícios, a razão pela qual não vivemos plenamente nossa vocação de ser comunhão. Essa condição é o que na tradição cristã chamamos de pecado.

É importante destacar que o termo não descreve uma situação jurídica ou moral, mas uma desordem mais profunda, que poderíamos dizer existencial. Pecado refere-se ao estado de quem não é capaz de perceber sua vocação para construir uma comunidade de amor, mas vive como um indivíduo em oposição a outros indivíduos, diante dos quais tem que se defender e lutar, tanto para levar adiante seus próprios interesses quanto para se apropriar da maior parte dos satisfazeres, que são sempre escassos.

A palavra grega hamartia, comumente traduzida como pecado, na verdade significa desperdício, não acertar o alvo, perder tolas as oportunidades de plenitude que a vida nos apresenta. E não acertamos o alvo porque toda a nossa percepção do mundo está viciada, está doente.

Para entender essa distorção fundamental (esse pecado original, ou origem de todo pecado), o relato do Gênesis que descreve o engano de Adão e Eva, a maneira como perdem sua relação de comunhão com Deus, ao seguir ingenuamente as insinuações do espírito do mal, é muito útil. É a primeira meditação que Santo Inácio sugere sobre o pecado: captar como o mal engana, para assim poder desmascará-lo em nossa própria vida.

Em Gênesis 3, 1-24, Adão e Eva são apresentados com dois possíveis itinerários para construir suas vidas. É a luta entre as duas lógicas: a de Deus e a do mal; o amor em comunhão ou o isolamento egoísta.

A narrativa começa apresentando-nos, no capítulo 2 (para que possamos captar o contraste), a vida no paraíso: o ser humano em liberdade e harmonia com a Criação, entendida como o espaço/tempo onde poderia crescer e amadurecer exercitando sua capacidade de amar. O ser humano é chamado a ser cocriador com Deus do mundo da comunhão.

No meio desse ideal, e graças à capacidade do ser humano de tomar consciência de si e de seu entorno, surge o engano de imaginar e, eventualmente, acreditar que a felicidade não está na comunhão já experimentada (dar e receber amor), mas na autosuficiência (apropriar-se, depredar, não depender de ninguém).

Até então, o ser humano vivia na dimensão da gratuidade: tudo o que é e o que o rodeia é um dom, um presente. Adão e Eva, figuras arquetípicas da condição humana, experimentavam o que os místicos descreveram com a frase “O amor de Deus basta”. Ou seja, não há nada que possa nutrir mais e melhor o ser humano do que viver nessa comunhão de amor gratuito. Mas o espírito do mal lhes insinua que existe outro mundo e que esse mundo é preferível ao que habitavam até então. Um mundo de donos e senhores, onde cada indivíduo constrói seu caminho a vontade, prescindindo dos outros. Um caminho de autosuficiência (o fruto proibido) que lhes pareceu apetitoso.

Ao decidirem seguir esse caminho, surge em Adão e Eva uma nova atitude perante o mundo: a AVAREZA, o desejo de posse. Chegam a acreditar que sua alegria virá de acumular objetos e não do amor de sujeitos (pessoas). Pela primeira vez, “arrebatam” algo que não lhes havia sido dado gratuitamente. Sua relação com o ambiente material fica distorcida. Já não o veem como uma grande comunidade, mas como uma coleção de coisas suscetíveis de serem possuídas e acumuladas.

Ao mesmo tempo, em suas consciências se produz uma imagem falsa do ser humano, de sua própria identidade. Em vez de serem parte de um todo harmônico e pleno, percebem-se separados, opostos. O pecado fundamental de Adão e Eva implica em pretender prescindir do Outro. Eles acreditam no espírito maligno quando este lhes afirma que “serão como Deus”, ou seja, que Deus já não lhes será necessário, que poderão construir um futuro melhor “sozinhos”.

Assim se consolida uma imagem falsa do ser humano (aparece a VERGONHA, outro sentimento que não conheciam). Começam a se ver como seres defeituosos, pervertidos, e sentem a necessidade de ocultar essa situação a todo custo. Querem se esconder, se disfarçar; querem ser “outra coisa”. Sua identidade, na verdade, torna-se “diabólica” (que etimologicamente significa perversa, difamadora, dispersante e desintegradora). Sua relação consigo mesmos fica distorcida.

Finalmente, e como a consequência mais perigosa, estabelece-se um círculo vicioso de retroalimentação entre sua autoimagem doentia de vergonha e uma imagem distorcida de Deus, um “ídolo” (imagem de algo que não existe, como “ícone” é a imagem do que sim existe). Já não percebem o Deus próximo, que os ama e aprecia, mas o veem como uma projeção deles mesmos: uma solidão autocentrada, sedenta por possuir e comandar. Descobrem um novo sentimento que não conheciam, surge o MEDO. Sua relação com Deus fica distorcida. Assim, efetivamente ocorre uma ruptura da comunhão. Rompem com a natureza, consigo mesmos, com Deus.

Santo Inácio descobre, em seu itinerário de conversão, que ele e muitas outras pessoas habitavam (e habitam) esse mundo fictício, produto do único pecado, ou seja, do egoísmo, da distorção perceptiva que nos leva a ver o mundo, a nos vermos e a ver a Deus, como um campo de batalha onde lutam vontades autocentradas e no qual é necessário sobreviver defendendo-se; melhor ainda, atacando. Isso está no fundo de nossos desencontros, conflitos, rupturas e violência. Precisamos nos curar de nossa distorção afetiva para ver com clareza a realidade como um espaço onde o amor em comunhão é a única coisa que sacia a fome de felicidade que tem o ser humano.

Em sua introdução à primeira semana dos Exercícios, Santo Inácio sugere que peçamos “conhecimento interno de meus pecados e os da humanidade e abominação deles”, “desejo de me emendar e me ordenar”, de me converter ao Senhor e ao seu projeto de comunhão.

Com esses termos, ele está descrevendo o necessário processo de desmascaramento do pecado, de sair do engano e da mentira que estão em sua origem. O pecado é a decisão de se realizar por si mesmo, a rejeição (consciente ou inconsciente) de se colocar diante de Deus e dos outros com uma relação de amor. É a negação de toda interdependência e a obstinação da solidão de si mesmo. É o ato de uma liberdade ingênua que se fecha sobre si.

Afastando-se de Deus e da comunidade, nossa liberdade entra por caminhos de autodestruição. Como Narciso, que se contempla e fica absorto em si mesmo e acaba ficando sozinho e morrendo. Não é tanto infringir uma lei, a lei é algo externo. A lei serve para desmascarar dinâmicas de pecado. Mas o pecado é algo mais profundo. É romper com Deus, com meus irmãos e irmãs, comigo mesmo.

O pecado é um processo paulatino de objetificação, de transformar pessoas em objetos. O principal sintoma do pecado é a incapacidade de sentir com o outro, ter o “coração de pedra”. E não sentimos pelos outros porque para nós não são pessoas, não são irmãos, não são sujeitos de comunhão. Em eles e elas só vemos objetos, insumos, em nossa busca de satisfactores. Como consequência disso, vamos nos isolando com uma sensação de vazio interior, de sem sentido, além das alegrias efêmeras que proporcionam os satisfatores materiais ou intelectuais (que na realidade são “narcóticos”). Esse “vazio” só pode ser preenchido com a presença do Outro e dos outros.

A única maneira de sair desse círculo vicioso é nos encontrarmos com um “inocente” que, através de seu amor incondicional, cure as feridas de nossas experiências de desamor, que nos libere da tirania do ego. Jesus é o Inocente por excelência. A maneira como nos redime (literalmente “resgata”) será o tema de nossa próxima contribuição.

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