Escrito por Pe. Felipe Soriano, SJ

Tempo dos estudos II. (Autobiografia, 74).

Inácio de Loyola atravessou a França “sozinho e a pé” e, com o favor de Deus que o guiava, mesmo entre temores de guerra entre espanhóis e franceses. Chega à Paris em fevereiro de 1528 são e salvo, isto é, sem passar nenhum perigo (Ribadeneira, 2021, p. 84). Sua primeira preocupação na Universidade de Paris era como fazer os estudos das Artes Liberais (Filosofia) sem ter de se preocupar com o sustento corporal. De fato, como relata P. Ribadeneira, Inácio havia recebido algum dinheiro na Espanha como esmola. Como não gostava de andar com dinheiro, deixou a conta com um companheiro espanhol da mesma pousada onde estava hospedado, que gastou tudo sem ter como devolver (Ribadeneira, 2021, p. 87).

Vendo que essa ajuda que havia recebido em Barcelona não alcançou pagar todas as despesas de sua estadia em Paris, decide ir se abrigar no hospital Saint Jacques (Santiago), pois hospedando-se num hospital garantia um lugar seguro, abrigado do frio do alto inverno e alguma comida, mesmo com muitos inconvenientes. Ele relata que o hospital estava distante do Colégio de Montaigu (onde estuda as primeiras letras) e, porque era necessário, para encontrar a porta aberta, sair após o primeiro toque e regressar quando ainda era dia. Dessa forma, ficava comprometido o tempo que podia dispor para os estudos, não conseguindo tirar o melhor proveito possível.

O hospital de Saint Jacques foi fundado em 1317, pela Confraria dos peregrinos de Santiago de Compostela, fora dos limites da cidade. Para ir do Saint Jacques ao Colégio Montaigu, Inácio precisava atravessar o rio Sena e percorrer um longo caminho a pé. Por causa dessa distância e porque as aulas começavam entre às quatro e meio e cinco horas da manhã, Inácio não podia sair antes da abertura do hospital e nem regressar depois do Angelus. Inácio via-se obrigado a perder muitas aulas, conseguindo ouvir pouco mais de duas horas de aula cada dia, como afirma P. Polanco.

O tema do financiamento para os estudos continua sendo uma urgência para muitos jovens que precisam estudar hoje, pois estudar nunca foi algo barato. Por causa dessa experiência e com tais dificuldades, Inácio deixará expresso nas Constituições da Companhia de Jesus orientações para a manutenção dos estudos nos Colégios e nos Centros Universitários da Companhia”.

A permanência num hospital, como é o caso de Inácio, se justifica mediando a ajuda que o “hospede” podia prestar nos serviços de limpeza e no atendimento aos enfermos. Portanto, além do tempo para estudar, Inácio precisava atender as necessidades do hospital. Como tudo não se reduz a ter apenas um lugar para dormir e algo para comer, Inácio registra em suas memórias ainda outra dificuldade, para sua manutenção pessoal e para custear os estudos, precisava pedir esmolas. Neste contexto, em situações normais, muitos diriam que as condições de permanência de Inácio em Paris eram inviáveis, pois precisava se desdobrar para se manter e render nos estudos.

Seguindo o conselho de alguns amigos da Espanha, em vista de ganhar tempo e se colocar todo à serviço das almas, Inácio irá trocar a ordem de seus estudos ouvindo Lógica, Filosofia e Teologia ao mesmo tempo. O resultado veio logo, pois querendo abraçar muito, pouco aprendeu. A decisão de adiantar os estudos foi causa de muita volta, desgaste e tardança, obrigando-o a organizar bem seu itinerário acadêmico e priorizar o que era mais importante, isto é, as aulas de língua latina no colégio de Montaigu. Nesta matéria ele sentiu muita tentação, pois sua ânsia e pressa em terminar os estudos o faziam atropelar o percurso (Cf. EE 327).

“A determinação pessoal de Inácio e sua entrega aos seus ideais impressionavam, pois aquilo que pareceria difícil para alguns se convertia em caminho de graça para ele. Sua determinação pessoal era notada… pois, mesmo sendo nobre, precisou aprender a trabalhar e estudar para alcançar seus objetivos”.

Com as comidas mais leves do hospital e a disciplina que os estudos obrigavam constatou Inácio melhoras numa dor de estômago que o acompanhava há quase cinco anos. Desta forma, passou a entregar-se a algumas penitências corporais como abster-se de carne. Passado algum tempo nesta vida de hospital e de mendicância e vendo o pouco proveito que tinha nas letras, começa a pensar o que faria. Vendo que havia alguns alunos que serviam os professores no colégio e com isso tinham tempo para estudar, decide procurar um tutor de estudos para tê-lo como amo.

Como nos diz São Paulo, “Os atletas se abstêm de tudo para ganhar uma coroa perecível. […] Quanto a mim, também eu corro, mas não como quem vai sem rumo. […] Trato com dureza o meu corpo e o submeto, para não acontecer que eu proclame a mensagem aos outros, e eu mesmo venha a ser reprovado” (1 Cor 9, 26.27). Por isso, “lanço-me em direção à meta, em vista do prêmio do alto, que Deus nos chama a receber em Jesus Cristo” (Fl 3, 14). De fato, como diz São Paulo, Inácio aprendeu a viver na necessidade e na abundância, porque “tudo posso naquele que me fortalece”.

Texto bíblico Fl 4, 12-13

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