“Vendo ele deitado e sabendo que já havia muito tempo que estava enfermo, perguntou Jesus: ‘Quer ficar curado?’” (Jo 5,6)
O peregrino é alguém que adentra uma terra estranha, que se afasta dos apoios comuns da existência. É alguém livre, que saboreia cada passo em cada momento, que não se acomoda num determinado lugar, que está sempre na expectativa da novidade.
Isso comporta certa dose de riscos e de incertezas quanto ao êxito final. Santo Inácio é o homem peregrino: ele vai contemplar a outra face da vida, até então inédita para ele e busca vivê-la em profundidade até os limites extremos do despojamento de si mesmo e de tudo. Inácio é um habitante de fronteira. Há nele uma força interior que o arranca da acomodação e o coloca em contínuo movimento. Na pessoa de Inácio há, em primeiro lugar, um caminho interior que nos ensina muitas coisas:
– caminhou para as fronteiras de seu próprio eu profundo, mergulhando fundo em si mesmo e em suas lembranças
– não teve medo de si mesmo, de seu passado, atingindo os limites da sinceridade e da transparência
– tomou distância de sua vida e, a partir desse distanciamento amadurecido, assume a sua história
– ama a verdade e não a encobre com o falso pudor
O silêncio forçado de seu quarto de convalescença revela regiões incontaminadas em seu coração. Revelam-se aí fronteiras não atingidas pela humilhação, um último reduto de respeito a si mesmo, de senso de dignidade, de honra.
“Quando emudecem os ruídos da vida, pode-se perceber certas vozes que nunca se apagaram”
Toda pessoa se redime a si mesma quando resgata, como num garimpo, estas parcelas intactas de si mesmo, reforçando e orientando numa nova direção as energias não extintas de seu interior.
Muitos ídolos rolaram por terra naqueles momentos em que Inácio fazia o balanço de sua vida. Depois de tudo analisado, a vida, afinal, não lhe voltou as costas. Inácio não é um homem ressentido, cético, fracassado, não renuncia continuar vivendo intensamente. Mais ainda, conserva, prodigiosamente intacta, sua capacidade de sonhar e de alimentar aspirações grandiosas, renascem esperanças adormecidas e desejos ocultos. A partir dessa peregrinação interior, brota uma necessidade de sair de si, de abrir-se, de esvaziar-se, de comunicar-se, de pôr-se a caminho em direção dos demais, do mundo. Inácio rompe as fronteiras geográficas, culturais, religiosas, sociais.
“Tinha um coração maior que o mundo”
No nosso processo espiritual queremos desenvolver esta capacidade de ver quem nós somos e onde estamos, sem o temor de nos defrontarmos com respostas desagradáveis. Somente partindo da realidade de nós mesmos, que é sempre uma realidade rica e original, é que poderemos crescer como pessoas que peregrinam em direção à nossa interioridade e em direção a um maior compromisso.
A percepção e o sentido da nossa própria identidade vai se ampliando quando surge uma capacidade de interessar-nos por realidades mais amplas e desafiantes. Novas ideias, novos mundos, novos sonhos e projetos vão definindo nossa identidade pessoal.
Se uma pessoa não criar intensos interesses fora dela mesma, viverá alienada em sua existência, fechada no seu pequeno mundo. Se ela se expande passará, então, a participar de outras esferas significativas da vida, dedicando-se a uma grande quantidade de interesses e projetando-se ardorosamente para o futuro. Isso significa ser habitante de fronteira.
Texto Bíblico Jo 5, l-l8
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