JUVENTUDES E IDENTIDADE RACIAL: ENTRE FERIDAS, RESISTÊNCIAS E ESPERANÇAS 

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Jéssica Oliveira

Vivemos em um país marcado por profundas desigualdades e por uma história que deixou feridas abertas, entre elas, o racismo. Para a juventude negra e indígena, crescer no Brasil muitas vezes significa aprender desde cedo a se defender de olhares atravessados, de silêncios que ferem, de ausências que machucam. Mas, também significa aprender a resistir, a se afirmar, a ocupar espaços e a transformar o mundo. 

Falar sobre identidade racial na juventude é, antes de tudo, reconhecer que esse processo de construção de si passa pelo corpo, pela cor da pele, pelo cabelo, pela língua, pela cultura e pela espiritualidade. É reconhecer que ser jovem negro ou indígena no Brasil é lidar, diariamente, com negações, mas também com descobertas potentes sobre si e sobre os próprios caminhos

Racismo não é invenção: é estrutura 

Muitos jovens ainda crescem em ambientes onde se evita nomear o racismo. Mas ele está ali: nas oportunidades negadas, na ausência de referências negras e indígenas nas escolas, nos currículos apagados, na violência que atinge mais uns do que outros. Como nos lembra a educadora e estudiosa do tema Nilma Lino Gomes, “o racismo opera na estrutura da sociedade (…) não é possível destruí-lo somente com mudança de consciência. São necessárias mudanças estruturais, especialmente em áreas como educação, mercado de trabalho e poder político” atravessando nossas práticas e até mesmo nossos afetos. 

Quando um jovem negro ou indígena não se reconhece nos livros, nos filmes, nas lideranças ou na forma como a escola ensina a história, isso não é acaso. É resultado de um projeto histórico que ainda insiste em apagar certas vozes. E é justamente por isso que falar sobre identidade racial é tão urgente: para romper esse silêncio e abrir espaço para outras narrativas, outras presenças e outras histórias.  

Afirmação, cultura e espiritualidade 

Em meio aos desafios enfrentados pelas juventudes racializadas, muitos jovens têm encontrado na cultura e na espiritualidade caminhos para afirmar suas identidades e resistir às opressões. Expressões artísticas como o rap, o grafite, o slam, a dança, a literatura e o audiovisual se tornaram instrumentos de denúncia, pertencimento e criação de novos imaginários sociais. Esses espaços culturais não apenas revelam as dores da exclusão, mas também celebram memórias, histórias e modos de vida que desafiam o silenciamento histórico

A espiritualidade, por sua vez, aparece como uma dimensão subjetiva e coletiva que ajuda muitos jovens a ressignificarem suas trajetórias e a manterem viva a esperança. Para além de práticas religiosas institucionalizadas, a espiritualidade pode ser entendida como uma forma de conexão com o sagrado, com a ancestralidade, com a natureza ou consigo mesmo. Ela se expressa nos rituais do cotidiano, na força das comunidades, nos gestos de cuidado e solidariedade, e na busca por sentido mesmo diante das adversidades. 

Esse entrelaçamento entre cultura, espiritualidade e identidade contribui para fortalecer os laços de pertencimento e alimentar a construção de projetos de vida que não se rendem à lógica da exclusão. Ao reconhecer essas dimensões como centrais na formação da juventude, abrimos espaço para escutas mais sensíveis, para práticas mais humanas e para a valorização de saberes muitas vezes invisibilizados. 

Educação para a justiça 

O espaço escolar é, ao mesmo tempo, espelho e possibilidade. Espelho de uma sociedade ainda marcada pelo racismo, mas também possibilidade de ruptura, de reinvenção, de cura. Para que seja esse lugar de transformação, ela precisa ser mais do que transmissora de conteúdos: precisa ser espaço de escuta, acolhimento e afirmação de identidades

Educar para a justiça racial é valorizar, com profundidade e verdade, a cultura afro-brasileira e indígena. Isso significa aplicar as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 não apenas como obrigação legal, mas como oportunidade pedagógica de reconstruir olhares, de promover encontros, de fazer memória viva. Como nos lembra Bell Hooks, “a educação como prática da liberdade afirma a autoestima saudável nos estudantes, ao mesmo tempo em que promove sua capacidade de estarem conscientes e viverem de forma consciente.” É preciso, portanto, que a escola compreenda seu papel decisivo tanto na reprodução quanto na superação de estigmas raciais. 

Essa tarefa exige rever o currículo, incluir novas vozes, provocar reflexões sobre o que se ensina e sobre quem ensina. Mas, exige também olhar com delicadeza para o cotidiano escolar: como lidamos com os cabelos, os corpos, as falas e os silêncios dos estudantes negros e indígenas? Como acolhemos suas vivências? Como reconhecemos suas formas de aprender, de sonhar, de existir? Assim, promover a justiça racial também passa pelos detalhes: pelas imagens nos livros, pelas palavras usadas em sala de aula, pela sensibilidade com que cada jovem é tratado, reconhecendo que corpo e cabelo são símbolos de identidade e resistência. 

A construção de uma educação antirracista não é papel exclusivo de pessoas negras ou indígenas. É uma responsabilidade coletiva, que exige compromisso ético, sensibilidade política e vontade de escutar. Porque só escutando é que se constrói ponte. E só com pontes é que se atravessam abismos. 

Para finalizar: juventudes que sonham e lutam 

A juventude não é apenas o “futuro do país”, é o presente vivo, pulsante, inquieto. E quando essa juventude assume sua identidade racial como lugar de potência, ela move estruturas. 

Que possamos ser capazes, como educadores, agentes sociais, e companheiros de caminhada, de fortalecer essa juventude em sua inteireza. Que nossos espaços formativos sejam lugares de escuta, de acolhimento, de justiça e de amor. 

Referências 

BRASIL. Lei n. 10.639/03, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura AfroBrasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 06 set. 2025. 

GOMES, Nilma Lino. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2005. 

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.

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