Caro (a) leitor (a), este é o segundo texto do nosso itinerário dialógico deste mês de outubro. Portanto, para que não ignoremos o caminho que já foi trilhado, é salutar fazermos memória do que refletimos no texto anterior. Nele você foi provocado a pensar sobre o contexto religioso no mundo atual, com especial enfoque para as juventudes, e a deslocar-se de suas certezas para compreender o pluralismo religioso não como uma ameaça, mas como parte do próprio desígnio divino para a humanidade.
Antes de avançarmos, reflita ainda: quais sentimentos, pensamentos ou inquietações o primeiro texto desta série provocou em você?
Agora, avançaremos. Neste passo pretendemos desenvolver uma discussão que sustente a afirmativa de que o pluralismo religioso é um fato e, por isso, demanda de nós uma postura compreensiva e de aceitação crítica mais do que uma postura intolerante ou uma rejeição dogmática.
Para Vigil (Teología del Pluralismo Religioso. p. 24), “o tema do pluralismo religioso não é um tema teórico, que surge da reflexão especulativa ou de alguns pensadores que queiram transmiti-lo à sociedade”. Na verdade, é uma realidade do mundo atual, da sociedade contemporânea, que evolui em constate deslocamento, que neste exato momento está em mudança, porque sempre esteve. Por isso, um conceito importante para compreender o pluralismo religioso é o de paradigma, por nós entendido como “um modelo, um princípio organizador do conhecimento” (Comisión Teológica Latinoamericana de la ASETT, 2009. p.20). A partir desse modelo, a comunidade se estrutura, se interpreta e reflete sobre a forma como o seu conhecimento está sendo organizado.
O cristianismo cada vez mais tem se colocado atento a essas mudanças de paradigma. No entanto, sabemos que a expressão “mudança” gera preocupação, sobretudo quando se trata de “aceitar” o outro, de flexibilizar nossas certezas em função de compreender, acolher. Foi sobre isso que escrevemos o texto passado. Em contrapartida, acolher o “outro” e suas crenças, aceitá-lo, muda inevitavelmente o modo de ver e de interpretar a realidade. Como resultado, podem emergir novas compreensões sobre os fundamentos e elementos que exigem uma transformação no modo de pensar e organizar a vida em sua totalidade.
A Teologia do Pluralismo Religioso surgiu como resposta a uma mudança epistemológica da sociedade contemporânea. Diante da pluralidade religiosa e cultural do século XXI, torna-se inviável sustentar uma fé baseada na epistemologia clássica, exclusivista ou inclusivista. Neste novo contexto, precisamos dialogar com o mundo real, assumindo uma atitude hermenêutica de escuta e de abertura.
A Comissão Teológica Latino-americana da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT) define essa teologia como uma fides quaerens intellectum – uma fé que busca compreender os desafios do presente, e não apenas repetir respostas do passado. Assim, a Teologia do Pluralismo procura reconciliar a fé com uma epistemologia aberta, dialogal e não-dominadora, propondo uma nova forma de pensar e viver a relação com as outras religiões.
Esse movimento na Igreja Católica e no mundo resultou de uma nova compreensão sobre os valores globais, sobre as abordagens, sobre as atitudes diante da vida, do mundo e das pessoas não cristãs. Em vista de compreendermos tais mudanças, torna-se necessário compreender três dos paradigmas existentes: exclusivismo, inclusivismo e pluralismo.
Vejamos:
a) Exclusivismo
De acordo com Vigil (Teología del Pluralismo Religioso. p. 53), “Chama-se exclusivismo a posição teológica que sustenta que existe uma única religião verdadeira, a qual teria sido revelada por Deus e que detém, de forma exclusiva, a verdade; todas as demais seriam falsas, meramente humanas ou naturais, e, por isso, incapazes de oferecer salvação”. Por isso, pode-se depreender que o exclusivismo é uma forma de pensar de algumas religiões que acreditam serem as “verdadeiras”, considerando as demais erradas ou falsas, coisas ruins ou até superstições. Essa maneira de pensar é comum em muitas religiões.
À medida que o mundo passou a ser mais conhecido — assim como a natureza humana e a própria religiosidade humana, com seus condicionamentos antropológico-culturais — essa atitude exclusivista começou a ser vista de forma mais crítica. Diante disso, emergiu um segundo paradigma, que representa um avanço na abordagem dessa questão, o inclusivismo.
b) Inclusivismo
O inclusivismo é a posição que sustenta que, embora a Verdade e a Salvação estejam em uma determinada religião, elas também se encontram presentes — de maneira deficiente ou imperfeita — em outras religiões. Essa presença parcial seria, no entanto, uma participação derivada da plenitude da Verdade e da Salvação existentes na única religião verdadeira.
No cristianismo, por exemplo, essa posição afirma que somente a religião cristã possui a plenitude da Verdade e da Salvação, embora elementos de verdade possam existir em outras religiões. A salvação da humanidade teria sido conquistada por Jesus Cristo, e estaria depositada plenamente na Igreja. Assim, os não cristãos também participariam da salvação — não por causa de suas próprias religiões, mas apesar delas, em virtude do poder de Cristo.
Essa foi a posição que ganhou força na teologia, especialmente a partir do Concílio Vaticano II. Segundo a Comissão Teológica Latino-Americana da ASETT:
O inclusivismo é o passo seguinte, o paradigma que geralmente sucede ao exclusivismo. Este último foi assumido por praticamente todas as religiões desde seu início. Mas, naqueles tempos, as religiões viviam isoladas, cada qual em sua própria sociedade, sem contato com outras. Nessa situação, era fácil desprezar as demais e afirmar: ‘fora de nós não há salvação’. Com o tempo, tornou-se impossível ignorar que também fora de nossa religião pode haver — e há — salvação. Tornou-se necessário avançar, ainda que com cautela, sem romper totalmente com a lógica exclusivista: admite-se que há salvação fora de nós, mas essa salvação ainda seria a mesma da nossa religião, a qual ultrapassa suas fronteiras. Assim, tudo o que é bom fora de nossa fé não surgiria das outras religiões, mas da nossa, que, no fim dos tempos, absorveria e consumaria todas as demais.
(Comisión Teológica Latinoamericana de la ASETT, Introducción a la teología del pluralismo religioso. p. 22).
Com o passar do tempo, a própria imagem de Deus parece exigir uma perspectiva mais aberta: “Hoje, não faz mais sentido conceber um Deus ‘nosso’, pertencente a uma etnia, povo ou cultura específicos, que nos tenha escolhido como os únicos detentores da verdade, os únicos chamados a salvar o mundo.” (Vigil, José María. Teología del Pluralismo Religioso. p. 54) Tudo parece apontar, portanto, para uma mudança de paradigma: o terceiro — o pluralismo.
c) Pluralismo
O pluralismo é a posição teológica que afirma que todas as religiões participam da salvação de Deus, cada uma a seu modo e de forma autônoma. Ou seja, não há uma única religião no centro do universo religioso. O centro é Deus, e as religiões giram em torno Dele, como planetas ao redor do Sol.
Em todas as religiões, Deus se manifesta ao ser humano, sem que haja uma religião exclusiva ou privilegiada que funcione como fonte da qual todas as outras derivem. No cristianismo, essa posição sustenta que o próprio cristianismo não ocupa o centro, mas gira, como uma religião entre outras, em torno do Centro Divino, que pertence apenas a Deus. Como formulação teológica explícita e desenvolvida, o pluralismo é uma posição recente no cristianismo e representa uma mudança radical de paradigma.
Esses três paradigmas — exclusivismo, inclusivismo e pluralismo —, enquanto atitudes que amadureceram historicamente, compõem um modelo geral da evolução do pensamento religioso. Contudo, é importante lembrar que não se trata de uma explicação absoluta, única, nem aplicável a todos os aspectos e elementos de todas as religiões.
Como sinalizamos anteriormente, o Concílio Vaticano II, especialmente através da declaração Nostra Aetate, reconhece elementos de verdade e de santidade presentes nas outras tradições religiosas sem deixar de anunciar Cristo como plenitude da revelação. Propõe-se, assim, um duplo movimento: fidelidade ao cristianismo e diálogo respeitoso com outras crenças. Desse movimento, emergem também dois níveis de compreensão: o Pluralismo de fato, que constata a diversidade religiosa existente no mundo como um dado histórico e cultural; e o Pluralismo de princípio, que propõe uma valorização teológica positiva de todas as religiões como manifestações válidas da revelação e do desígnio salvífico de Deus.
O teólogo Jacques Dupuis destaca que essa concepção plural não diminui a centralidade de Cristo, mas amplia a compreensão do mistério de Deus, cuja manifestação se dá de forma multiforme e generosa na história humana. A pluralidade religiosa, longe de ser um erro a ser corrigido, revela a transcendência divina e a limitação das culturas humanas em captar plenamente o mistério de Deus.
O pluralismo religioso, enquanto paradigma teológico, propõe uma superação do exclusivismo e do inclusivismo. Em vez de partir de uma “religião centro” (seja ela qual for), propõe-se que Deus seja o único centro, em torno do qual todas as religiões orbitam. Cada tradição religiosa é expressão parcial, mas legítima, do encontro humano com o divino. Isso implica: um novo iluminismo religioso, fundado não na identidade exclusivista, mas na alteridade; um reconhecimento das mediações culturais como expressões legítimas do sagrado; e uma revisão epistemológica que abandone o dogmatismo em favor do discernimento.
A principal contribuição desta reflexão está na abertura a um discernimento contínuo, a partir da pergunta central: Como articular a universalidade da salvação cristã com a pluralidade das experiências religiosas humanas, em especial das juventudes? A resposta não pode ser dada a partir de categorias absolutistas. Ela exige escuta, diálogo e humildade diante do mistério de Deus que se revela em múltiplas linguagens, símbolos e histórias.
A Teologia do Pluralismo religioso propõe resistir à lógica do poder e da imposição religiosa, como dissemos no início deste texto, reconhecendo o pluralismo como manifestação da própria riqueza divina. Ao fazer isso, a teologia cristã é convocada a uma profunda conversão de paradigma, rompendo com a pretensão de exclusividade e acolhendo a alteridade como dom teológico.
Este segundo passo no caminho que estamos construindo colaborativamente nos provoca. Os sinais dos tempos são claros e abundantes e a fé cristã está imersa nesse novo clima. Diante disso, propomos as perguntas:
- Como viver uma fé cristã em um mundo com tantas religiões?
- E, trazendo essa questão para mais perto da realidade do continente americano: como viver a fé cristã em um contexto no qual existem distintas maneiras de ser cristão?
Pense, reflita, interaja conosco por meio das redes sociais. Nos encontramos no caminho, até o próximo passo!
REFERÊNCIAS
Comisión Teológica Latinoamericana de la ASETT. Introducción a la Teología del Pluralismo religioso. 2009.
Concílio Vaticano II. Declaração Nostra Aetate: sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs. In: Documentos Completos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1993.
Dupuis, Jacques. El cristianismo y las religiones: Del desencuentro al diálogo. Santander: Sal Terrae, 2002.
Vigil, José María. Teología del Pluralismo Religioso. Curso sistemático de teología popular. Quito: Abya Yala, 2004.







