A verdadeira humildade não atrai muitos nesta nova era de autorrealização. Tendemos a igualar humildade com auto humilhação, mas essa “humildade” não é a humildade cristã

Trecho de “Making Choices in Christ”, de Joseph A. Tetlow, Traduzido do site ignatianspirituality.com

Se você se apega a uma autoimagem negativa e não tem grande respeito por seus dons, você não está sendo humilde. Você está mostrando ingratidão a Deus, que lhe deu esses dons, e esse pecado de ingratidão é a fonte mais profunda de todo outro pecado. Você odeia a si mesmo, a quem Deus ama. Essa falsa humildade oculta um orgulho inflexível: você se recusa a amar os dons e até mesmo o eu que Deus lhe dá. Essa é uma maneira enganosa de dizer a Deus: “Eu não servirei.”

A Humildade Cristã Exige um Forte Sentido de Si

A humildade cristã, adequadamente compreendida, requer um forte senso de si mesmo, e quanto maior a humildade, mais forte é o senso de si. Como mais de um santo já comentou, humildade é ver e reconhecer a verdade sobre si mesmo e sobre o mundo. Se você é inteligente, está mentindo — e não sendo humilde — se age como se não fosse. Considere isto: Jesus Cristo, o Filho de Deus, disse que era “manso e humilde de coração” (Mateus 11:29), e os quatro Evangelhos falam de um homem que sabia perfeitamente quem ele era, um homem com um forte e inabalável senso de si.

Todas as espiritualidades descrevem a humildade e, como a espiritualidade orienta a vida, explicam como ela é vivida. A espiritualidade inaciana descreve a humildade em termos de amar Jesus Cristo e observa que ela pode ser vivida de três maneiras. Cada maneira leva você a Jesus Cristo e a viver progressivamente mais como ele viveu. Deus, nosso Criador e Senhor, chama cada pessoa para uma dessas formas — embora você seja sempre livre para suplicar ao Senhor que o faça crescer no amor.

O Primeiro Grau de Humildade

A primeira maneira é fundamental. Você ama tanto a Jesus Cristo que nada e ninguém na terra poderia persuadi-lo a fazer o que você sabe que o afastaria dele. O celebrante na Missa implora a Jesus Cristo, logo antes da comunhão: “Nunca permitas que eu me separe de ti.” Ao fazer o que o amor a Cristo requer, você se torna um amante, pois o amor é o que você faz, não apenas o que sente ou proclama. Assim, você é um amante, talvez não um muito apaixonado, mas pelo menos um que diz: “Eu nunca faria o que você não quer.” Se você vive assim na igreja, vive como um bom cidadão que ama seu país e cumpre suas leis, mas não vota nem se interessa muito por seus assuntos. Ao seguir essa primeira forma de humildade, certamente terá que agir com coragem em sua vida.

O Segundo Grau de Humildade

Ou você pode ser outro tipo de amante e viver humildemente de uma segunda forma. Você ama tanto a Jesus Cristo que deseja permanecer leal até mesmo à sua grande visão redentora. Você quer entender o que Cristo espera do mundo e, particularmente, da igreja. Encontra um verdadeiro sentido nas Bem-aventuranças. Recusa-se a odiar os inimigos de sua nação e perdoa os que o magoam, assim como ele perdoou aqueles que o crucificaram. Você rejeita as infidelidades na igreja, mas não os fiéis que Deus escolheu — nenhum dos quais é melhor do que você.

Para aqueles de nós que vivem a humildade dessa segunda maneira, Jesus é importante da mesma forma que grandes líderes carismáticos são importantes. Seguimos grandes líderes com paixão, mas à distância, pois sua grandeza e seus carismas se interpõem entre nós e eles. Amamos esses líderes como o povo amava Napoleão ou Winston Churchill: como uma persona e não como uma pessoa intimamente conhecida.

Se você segue Jesus dessa segunda forma, é o tipo de amante que diz: “Quero fazer tudo o que você quiser.” Não se engane: fazer tudo o que Jesus quer exige um forte senso de si. Você está proclamando o desejo de ser um seguidor próximo de Jesus Cristo, que nos pede que tomemos nossa cruz diariamente.

O Terceiro Grau de Humildade

A terceira maneira de viver a humildade na espiritualidade inaciana começa com uma oração ao Pai para que Ele conceda a graça de viver como Jesus, que “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo” (Filipenses 2:7). Essa humildade leva a escolher coisas que o mundo despreza.

Aqui vai uma ilustração: Um homem está no auge de sua carreira. Está fazendo o bem em seu trabalho, enriqueceu e toda a cidade reconhece sua bondade. Então, encontra-se com Jesus Cristo em oração e ouve o chamado do Rei. Esse chamado é para deixar o sucesso e a riqueza e ajudar os famintos e desabrigados de sua comunidade. Ele então renuncia ao cargo e passa a gerenciar refeitórios populares.

Esse amante pede ao Pai: “Permita-me fazer as coisas junto com teu Filho e como teu Filho.” Ele se abre tanto a aspectos negativos quanto positivos. Está dizendo a Deus que deixará de lado qualquer coisa em sua vida ou em si mesmo que o separe do Amado. Não se apegará a qualquer atitude ou hábito que o torne diferente de quem Jesus de Nazaré foi e é.

Mas há mais. Ele compreende que Deus pode ter expectativas para ele que exijam renunciar a grandes dons. O homem da ilustração tinha grande talento para os negócios e o abandonou. Ele tinha grande potencial como líder cívico e deixou isso para trás. Mais de um músico talentoso já deixou o instrumento e a música de lado porque Deus o chamou para algo diferente.

Isso é moral? Isso não seria desprezar os dons de Deus? Poderia ser. Mas isso é improvável se o amante tem um forte senso de si, conhece seus dons e os aprecia pelo que realmente são. No entanto, há algo que ele aprecia mais: fazer tudo junto com Jesus Cristo. O Amado viveu um certo tipo de vida, então esse amante deseja vivê-la também.

Isso é real? É, e já vimos muitos exemplos disso. Muitos discípulos de Cristo hoje vivem entre os pobres e marginalizados por amor a Jesus Cristo. Muitos outros abandonam o profundo instinto humano de se multiplicar porque são chamados, assim como Jesus foi, a gerar vida de uma outra maneira. Outros, casados ou solteiros, esvaziam-se para servir como o Mestre serviu, sem que ninguém saiba o custo, exceto Aquele a quem amam.

Este terceiro grau de humildade frequentemente traz à mente imagens de alguém desprezado e rejeitado, como Jesus foi no fim. Pode ser que Deus Pai escolha isso para quem pede viver como o Filho viveu. Certamente isso acontece: aqueles que proclamam a Boa Nova são encarcerados por longos anos, por exemplo. Mas é fundamental notar que, se alguém provoca outros a desprezá-lo e rejeitá-lo, exceto quando está fazendo o que deve por amor a Cristo, ele não pode ser considerado humilde. Talvez seja um tolo; humilde, não. A oração deve sempre ser para que o Pai permita que você imite, em seu próprio tempo, o caminho de Jesus de Nazaré, desde que você não peque, e ninguém mais peque também.

O amante neste caso é engrandecido pelo amor. O Amado escolheu esvaziar-se, assumindo o jeito e as características de um servo. Ele não se importava de ser acusado de estar seriamente enganado sobre Deus e o povo. Ele não se importava de ser considerado louco. E seu caminho levou a grande sofrimento e morte. A pessoa que deseja ser mansa e humilde como Jesus foi pode dizer ao Pai honestamente: “Trate-me como tratou teu próprio Filho.” Essa oração nada tem a ver com autoimagem negativa ou desprezo pelos dons do Espírito. Pelo contrário, o amor heroico é manso e humilde, mas também glorioso. Basta olhar o que aconteceu no fim com Jesus de Nazaré.

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