Em entrevista à agência de notícias Télam, da Argentina, Francisco abordou vários tópicos, como a guerra, o sínodo e a virtude da esperança
MAGIS Brasil com Vatican News
“A exploração é uma das origens da guerra. A outra origem é a origem geopolítica da dominação do território”, disse o Papa Francisco em uma entrevista à agência de notícias Télam. Na qual abordou outros temas como a crise e os falsos messias, a dignidade no trabalho e aqueles que são explorados, a inteligência artificial, o sínodo e a esperança.
“Gosto da palavra crise porque ela tem movimento interno. Mas você sai de uma crise para cima, e não sai dela sozinho. Aqueles que querem sair sozinhos transformam a saída em um labirinto, que sempre dá voltas e mais voltas”, disse o Papa.
Francisco também enfatizou a importância de ensinar aos jovens “como resolver crises. Porque isso dá maturidade”, e eles podem alertar contra o messianismo: “Ninguém pode prometer resolver conflitos, se não for através das crises”.
Crise da humanidade
A jornalista da agência Télam, Bernarda Llorente, perguntou ao Papa: “O que está faltando à humanidade e o que está sobrando?” Francisco respondeu: “A humanidade carece de protagonistas da humanidade, que tornem visível seu protagonismo humano. Às vezes, percebo que falta essa capacidade de gerenciar crises e de fazer emergir a própria cultura. Não tenhamos medo de trazer à tona os verdadeiros valores de um país. As crises são como vozes que nos mostram para onde devemos ir.”
O Pontífice continuou alertando que “o pensamento único destrói a riqueza humana. E a riqueza humana tem de contemplar três realidades, três linguagens: da cabeça, do coração e das mãos. “Assim, pensa-se o que se sente e se faz, sente-se o que se pensa e se faz e faz-se o que se pensa e se sente. Essa é a harmonia humana. Se faltar qualquer uma dessas três linguagens, haverá um desequilíbrio tão grande que levará a um sentimento único, a um pragmatismo único ou a um pensamento único. Essas são traições à humanidade”.
Dignidade do trabalho
Ao ser questionado sobre o tema do trabalho, o Papa falou da dignidade do trabalho e do grave pecado da exploração: “É o trabalho que nos torna dignos. E a maior traição a esse caminho de dignidade é a exploração. Não da terra para que ela produza mais, mas a exploração do trabalhador. Explorar as pessoas é um dos pecados mais graves. E explorá-las para seu próprio lucro”.
O Santo Padre também enfatizou a necessidade dos direitos dos trabalhadores, para que eles não se tornem escravos. “Quando um trabalhador não tem direitos ou é contratado por pouco tempo para substituí-los e não pagar as contribuições, ele se torna escravo e o outro se torna algoz”.
Francisco lamentou que algumas pessoas o chamem de comunista quando ouvem falar de suas encíclicas sociais: “Não é assim. O Papa pega o Evangelho e diz o que o Evangelho diz. Já no Antigo Testamento, o direito hebreu pedia cuidar da viúva, do órfão e do estrangeiro. Se uma sociedade cumpre essas três coisas, se da bem. Porque se responsabiliza pelas situações extremas da sociedade. E se você assumir o controle das situações extremas, também fará o mesmo com as outras”, e reiterou: “E deixo claro que não sou comunista, como alguns dizem. O Papa segue o Evangelho.”
Inteligência artificial
O Papa também foi questionado sobre os avanços da tecnologia e suas implicações: “A diretriz do progresso cultural, incluindo a inteligência artificial, é a capacidade de homens e mulheres de gerenciá-la, assimilá-la e controlá-la. Em outras palavras, homens e mulheres são senhores da criação, e não devemos desistir disso. O senhorio do indivíduo sobretudo. Mudanças científicas sérias são progresso. Devemos estar abertos a isso”.
Segurança universal
E voltando à questão da guerra, o Pontífice pediu segurança universal por meio do diálogo. “Não se pode falar de segurança social se não houver segurança universal, ou uma que esteja em processo de se tornar universal”, disse. O Santo Padre acredita que o diálogo não pode ser apenas nacionalista, e sim universal, especialmente hoje, com todas as facilidades de comunicação que existem. “É por isso que falo de diálogo universal, harmonia universal, encontro universal. E, é claro, o inimigo disso é a guerra”.
Francisco considera que a “exploração” e a “dominação dos territórios” são as origens dos conflitos “fomentados pelas ditaduras”. Para construir a paz e o bem comum, o Papa pede “uma consciência da própria identidade. Não se pode dialogar com o outro se não se tem consciência da própria identidade.
Quando duas identidades conscientes se encontram, elas podem dialogar e dar passos em direção ao acordo, ao progresso, a caminhar juntas”.
Igreja em harmonia
Sobre o desenvolvimento do sínodo e ao ser questionado sobre que tipo de Igreja é necessário para estes tempos, o Pontífice recorda que desde o início do Concílio Vaticano II, João XXIII teve uma percepção muito clara de que a Igreja tinha que mudar. Paulo VI concordou e continuou, assim como os Papas que os sucederam, complementa.
“Não se trata apenas de moda, trata-se de uma mudança de crescimento e em favor da dignidade das pessoas. E aí é que está a progressão teológica, da teologia moral e de todas as ciências eclesiásticas, incluindo a interpretação das Escrituras, que têm progredido de acordo com o sentir da Igreja. Sempre em harmonia”.
Esperança, um tempero diário
A entrevista continua com temas pessoais, como o relacionamento com Deus: “o Senhor é um bom amigo, me trata bem”; e sobre a capacidade de rir: “o senso de humor humaniza”. E a importância da virtude da esperança:
“Não podemos viver sem esperança. Se eliminássemos as pequenas esperanças de cada dia, perderíamos nossa identidade. Não nos damos conta de que vivemos de esperança. E a esperança teológica é muito humilde, mas é ela que dá sabor à nossa vida cotidiana. Pensar que talvez o amanhã seja melhor não é fugir. É outra coisa.”
E ao ser questionado sobre suas próximas viagens apostólicas, o Papa mencionou que gostaria de ir à Argentina, e “falando de mais longe, gostaria de visitar Papua Nova Guiné”.