Juventudes e missão: Desafios para a vivência e compreensão da missão   

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Queridas (os) jovens, os artigos deste mês de dezembro fazem parte do itinerário formativo proposto pela Rede Inaciana de Juventude – MAGIS Brasil pertencente à Província dos Jesuítas do Brasil. O itinerário “Juventudes e missão: discípulos-missionários de Jesus de Nazaré” foi proposto em parceria com a Comissão Episcopal para Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e as Pontifícias Obras Missionárias, contando com um episódio do MAGIS Cast lançado em outubro; o programa realizado pela Rádio Amar e Servir também da Companhia de Jesus; a live no canal do MAGIS Brasil no Youtube e o curso “Juventudes e Missão: discípulos-missionários de Jesus de Nazaré” por meio da plataforma Escolas MAGIS; por fim, esta série de artigos sobre o tema da missão e as juventudes. Vale dizer que este itinerário é fruto do apelo da Igreja do Brasil, que durante o mês de outubro, com a abertura do mês missionário, convida-nos à reflexão sobre a centralidade da missão para a fé cristã e a importância de pedir ao Senhor a fidelidade à sua missão.  

A partir dessas atividades desejamos tornar mais conhecido o Programa Missionário Nacional (PMN). O Programa é um subsídio encaminhado pela Comissão para Ação Missionária e Cooperação Intereclesial, cuja atualização foi estudada e aprovada pelo Conselho Missionário Nacional (COMINA), que apresenta orientações teológicas e pastorais para animar e renovar a caminhada missionária de nossas comunidades eclesiais e para ampliar nossa compreensão, enquanto batizados, da missão. A partir do documento de Puebla, em que a igreja da América Latina faz duas opções preferencias – pelos pobres e pelas juventudes; do Sínodo sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” e da Exortação Apostólica Christus Vivit, o magistério da Igreja nos impele a refletir e assumir o acompanhamento das juventudes. Ou seja, tomar consciência da centralidade da missão no caminho de fé das juventudes é um processo pedagógico e mistagógico. Exige pessoas – jovens e adultos – capazes de propor e acompanhar experiências e jovens que despertam e fortalecem a centralidade da missão como configuração ao coração de Jesus de Nazaré. O objetivo destes artigos consiste mais em levantar questões e possibilidades de abordá-las do que respondê-las. As proposições aqui fazem parte da escuta e das ressonâncias desse caminho trilhado com os jovens. 

Aproveitamos a oportunidade para agradecer à Província dos Jesuítas do Brasil, à Rede Inaciana de Juventudes – MAGIS Brasil e à Rádio Amar e Servir, na pessoa do P. Edson Tomé, SJ, e à Comissão Episcopal para Ação Missionária e Cooperação Intereclesial, nas pessoas de Dom Maurício da Silva Jardim e Dom Esmeraldo Barreto de Farias, e aos jovens e acompanhadores de jovens que buscam o sentido da vida e ser mais para e com os demais: buscam ser Magis. Que estes textos possam ser momento oportuno para continuarmos a dialogar e construir formas de colaborar para a formação das juventudes e dos acompanhantes das juventudes. 

Para começar a conversa 

Quando falamos de missão, o mais comum na sociedade é vermos estampado nas empresas ou nos seus planos estratégicos a sua missão. Na Igreja, é costume referir-se à missão como atividade religiosa: culto, catequese, eventos, visitas às famílias, semanas missionárias etc. Por vezes, atribuímos sempre o adjetivo de missionários a quem realiza essas atividades ou a quem foi designada uma tarefa, incumbência ou, de outro modo, restringimos essa condição apenas aos religiosos e religiosas, àqueles que se colocam a serviço e deixam seu país, sua cidade de origem e partem para outros confins do mundo, com intuito de evangelizar, “levar” a Boa nova de Jesus.  

Tudo isso é indispensável para animar e movimentar a comunidade, mas a missão cristã é mais que isso. Ela consiste em um modo de vida que diz respeito a todos os batizados e envolve todas as dimensões da vida. A missão se realiza na casa, no trabalho, na política, na escola, na universidade, nas redes sociais etc. Onde há vida, há missão. Diante disso, no texto desta semana, queremos apresentar essa distinção entre missão e animação missionária. 

Vamos passar brevemente por um olhar histórico da eclesiologia oriunda do imaginário da cristandade, que identificava a vivência da fé com a expansão das estruturas e a difusão homogênea da cultura cristã. Vamos olhar a reviravolta que o Concílio Vaticano II provocou ao recuperar a centralidade da Igreja como Povo de Deus. A missão começa no cotidiano das comunidades, nas tramas reais da vida dos povos, nas culturas e linguagens que configuram a existência concreta das pessoas (O teólogo Agenor Brighenti se dedica a esse tema no artigo “La Iglesia como ‘Iglesia de Iglesias’ Locales en contexto”).  

O amor da Trindade é a fonte da missão 

A missão tem sua origem na Santíssima Trindade. O amor do Pai é a fonte inesgotável que envia ao mundo o seu Filho ungido pelo Espírito. “É um movimento de amor que marca o relacionamento das pessoas divinas entre si e destas com a humanidade. Deus é uma fonte de amor que envia. Há missão porque Deus ama as pessoas” (Bosch, David. Missão transformadora. p. 469). Desse modo, a reflexão sobre a missão exige sempre começar pela pergunta sobre a Igreja, porque toda compreensão de missão traz consigo, de forma explícita ou velada, uma determinada compreensão eclesiológica que carregamos por dentro.  

O que compreendemos ser Igreja? Qual a relação entre a Igreja e a mensagem do Evangelho? 

Quando a Igreja é pensada sobretudo a partir de seus aspectos institucionais – doutrina, sacramentos, hierarquia, organização –, a missão tende a ser entendida como fortalecimento da instituição, ampliação de sua presença, implantação da Igreja onde ela ainda não existe. Foi assim, em grande medida, ao longo de boa parte do segundo milênio.  

Falava-se de Missio ad gentes como implantação da Igreja em terras “pagãs”, e o horizonte implícito era o crescimento da instituição, com suas estruturas e privilégios. Essa forma de compreender e vivenciar a missão, a partir de um determinado contexto histórico, trouxe consigo marcas que hoje reconhecemos como desafiadoras: a sobreposição da fé a culturas e povos; alianças com poderes políticos que se distância da Política autêntica, que promove bem estar e justiça social; monopólio do discurso por parte de missionários, visto como portadores da Palavra e do saber, cujo anúncio era sempre aos destinatários (ouvintes passivos); uma espécie de “colonização” da experiência de fé, do pensamento e da cultura em nome do Evangelho, entre outros.  

Todas essas problemáticas se amplificam quando encontra o contexto da modernidade em cujo centro está o valor da subjetividade. A valorização excessiva do indivíduo enquanto unidade produtiva em contraposição ao valor de sua singularidade causa a percepção de um “eu” atomizado, independente, autossuficiente e autorreferente. A hiper conexão do ambiente digital por meio das redes sociais e do consumo desmedido moldam os sujeitos, tornando-os, paradoxalmente, sozinhos em meio a tantas conexões superficiais. O que se verifica nesse caso é um aprofundamento do individualismo como modo de vida, que caminha lado a lado com uma pluralização das subjetividades em tempos de sociedade líquida, na qual os vínculos se tornam frágeis, culminando em situações de isolamento, de ansiedade e de perda do sentido da vida comunitária (Cf. Programa Missionário Nacional. p. 32).   

Por causa desse cenário multifatorial, em muitos lugares ainda hoje, a missão se confunde com expansão geopolítica (territorial e social) da cristandade; evangelizar tornou-se quase sinônimo de civilizar; o cuidado, o serviço e a construção do Reino cederam espaço à preocupação com a presença e a força da instituição, com o intuito de aumentar o número de adeptos ou cristãos.  

Não raramente, o anúncio do Evangelho foi ajustado em favor da conservação de estruturas, de uma pastoral de manutenção do status quo das lideranças que detinham o monopólio da Palavra. Todavia, não se trata de negar a generosidade de tantos missionários e missionárias nem o seu testemunho social e espiritual que sustentaram obras de incalculável valor. Por exemplo, a defesa da dignidade de comunidades indígenas e quilombolas, entre outras minorias, respeitando suas culturas e suas linguagens.  

Trata-se, antes, de reconhecer que esse paradigma produziu efeitos ambíguos, especialmente quando a missão foi convertida em dispositivo de fortalecimento institucional, eclipsando a gratuidade e a liberdade do Evangelho, e sua capacidade de se adaptar ao tempo e ao espaço. A marca da cristandade fez imperar uma visão de Igreja piramidal, hierárquica, clerical, sendo o clericalismo de padres e leigos a principal consequência atual, algo que impede a percepção de que a missão nasce do modo de vida simples de Jesus de Nazaré, do seu mandato missionário para ir e anunciar seu Reino, testemunhando sua proximidade, compaixão, doação plena e serviço gratuito e silencioso, e não da lógica da conquista, da expansão. 

Uma nova compreensão sobre a missão 

O Concílio Vaticano II desponta como verdadeira virada paradigmática. Sem negar a dimensão institucional da Igreja, desloca a centralidade para a sua realidade de sacramento. A Igreja, “povo de Deus peregrino na história” (Lumen Gentium, n. 9), é “sacramento universal de salvação” (Lumen Gentium, n. 48).  

Os padres conciliares buscaram retirar a instituição de sua autorreferencialidade, não sendo mais fim em si mesma. A Igreja é sinal e sacramento universal de salvação. Devolveu-lhe sua natureza missionária originária, enfatizando o fundamento trinitário da missão. A Igreja é “por sua própria natureza missionária, pois tem origem na missão do Filho e do Espírito Santo” (Ad Gentes, n. 2).  

A missão tem sua origem no movimento do próprio Deus de se autocomunicar ao mundo por amor. Evangelizar é prolongar este gesto trinitário de amor. O amor é a fonte inesgotável que faz a Igreja ser constituída para manifestar e comunicar ao mundo em suas alegrias e a angústias a caridade de Deus (Ad gentes, n.10). Isso corrige as reduções funcionais que marcaram períodos da história e abre espaço para refletir a missão como estilo de vida, modo de ser autêntico, expressão de uma vida configurada ao Cristo pelo batismo. O Papa Francisco reforçou essa intuição ao afirmar: “Eu sou uma missão nesta terra; para isso estou neste mundo” (Evangelii Gaudium, n.273). A missão é constitutiva da identidade cristã, inseparável da vida concreta, da maneira de olhar, de tocar, de servir, de conviver com os demais e de contribuir como agente de transformação do mundo.  

As juventudes impulsionam à consciência sobre a missão 

É certo que a renovação da Igreja inspirada pelo Espírito através do Vaticano II encontra até hoje resistência por parte de alguns adeptos de um imaginário de cristandade, cuja consequência mais danosa é o clericalismo de bispos, padres, diáconos e leigos (Conferir esse tema no artigo “Uma Igreja sinodal para superar o clericalismo”, de Cesar Kuzma, contido no livro O novo rosto do catolicismo brasileiro: Clero, leigos, religiosas e perfil dos padres novos, do teólogo Agenor Brighenti). Um alerta precisa ser dado neste momento. O clericalismo tem afetado jovens e acompanhadores de jovens que reproduzem essa doença em suas práticas evangelizadoras e ações missionárias. O clericalismo produz uma compreensão empobrecida da tradição, transformando-a em tradicionalismo, repetição mecânica de fórmulas, costumes e estruturas que já não comunicam o Evangelho com vitalidade, confundindo-a com uma espécie de depósito intocável, rígido, a-histórico, como se pudesse imobilizar a Igreja no passado. 

Não sem razão o Papa Francisco afirmou que o clericalismo é a “raiz de todos os males”, classificando-o como uma das formas mais profundas de distorção da vida e da missão da Igreja, uma “tentação permanente” que impede o dinamismo missionário, pois “reduz a Igreja a uma estrutura de controle” e sufoca a corresponsabilidade de todo o povo de Deus. Além de tornar as pessoas infantis, esse mal impede que floresça uma verdadeira cultura vocacional, na qual cada batizado possa reconhecer-se chamado a buscar e construir o sentido da vida a partir da missão de Cristo. O Papa Francisco critica o clericalismo em vários escritos, entre eles a “Carta ao Povo de Deus” (20 de agosto de 2018) e a Evangelii Gaudium.  Em 2021, dirigindo-se aos padres da Diocese de Roma, recorda que o clericalismo “é uma perversão” porque cria uma elite espiritual separada do povo: “O pastor clericalizado esquece-se de que a sua identidade é ser ponte, não muro”. O clericalismo, portanto, fere a própria lógica evangélica, que sempre se inclinou o povo de Deus à proximidade e ao serviço.  

Entre as juventudes, os efeitos do clericalismo são dolorosos. Por um lado, as juventudes são diversas, diferentes e desiguais. Isto quer dizer que existem jovens abertos, progressistas e desejosos de mudanças estruturais e culturais. Mas, também existem jovens adeptos de ideias conservadoras e adeptos de movimentos ligados a práticas e estruturas fundamentalistas. Por outro lado, a Igreja no século XX abordou as juventudes desde um ponto de vista somente do progressismo e da busca pela novidade. Talvez, muito impulsionada pelos provocativos e contestadores de maio de 1968 em Paris e os movimentos sociais pós-segunda metade do século XX. De todo modo, as pessoas jovens estão sempre em um período de mudanças e construções de sentido, e é justamente nelas que a Igreja deve encontrar o terreno mais favorável para a criatividade, a corresponsabilidade, o diálogo, a coragem e a cooperação missionária. 

Na Exortação Apostólica Christus Vivit, o Papa Francisco reconheceu nas juventudes uma força humana e espiritual capaz de renovar a Igreja justamente onde o clericalismo a envelhece, a endurece e a distancia da vida concreta do povo. Quanto mais a Igreja se aproximar da sensibilidade juvenil, mais ela poderá abrir espaços onde os jovens possam exercer um verdadeiro protagonismo (Christus Vivit, n. 203-204). Somente assim a comunidade cristã deixará de tratá-los como destinatários passivos e começará a reconhecê-los como sujeitos e protagonistas em seu caminho como discípulos missionários.  

Os jovens, com seu espírito livre e criativo, em sua grande maioria, possuem uma intuição contra toda forma de poder sacralizado: eles rejeitam as máscaras da autoridade que se impõem sem escuta, desconfiam das estruturas que pedem obediência sem diálogo e se afastam das práticas religiosas que repetem gestos vazios sem tocar a existência concreta . Mesmo assim ainda nos indagamos: como justificar, então, o aumento de fundamentalismos religiosos entre os jovens? Se Igreja se mantiver teimosamente fixa em suas estruturas, irá produzir afastamento e desanimo. Mas, se se mantiver atenta aos sinais dos tempos, será capaz de escutar e confiar na criatividade e no protagonismo das juventudes, estimulando-as para assumir o cerne da missão de Jesus, que é a nossa: “tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Evangelii Gaudium, n.176). Viver de acordo com a vontade de Deus. Fecundar o mundo com o Evangelho da fraternidade, da justiça e da paz. O Reino de Deus é obra de Deus em nós. As comunidades eclesiais poderão, assim, se tornar um lugar de fecundidade, de corresponsabilidade missionária, de engajamento que une fé e vida. Igreja e sociedade despertarão novos sonhos, suscitando profecias e fazendo florescer esperanças (Christus Vivit, n. 32). 

Referências 

BOSCH, David. Missão transformadora: mudanças de paradigma na Teologia da Missão. 5.ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2025. 

Brighenti, Agenor. La Iglesia como “Iglesia de Iglesias” Locales en contexto. Medellin. v. LI, n. 190, enero/ junio, 2025. pp. 77-94. 

Concílio Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. Disponível em: < https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html>. Acesso em 3 dezembro 2025. 

Concílio Vaticano II. Decreto Ad gentes sobre a atividade missionária da Igreja. Disponível em: < https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651207_ad-gentes_po.html>. Acesso em 3 dezembro 2025.  

Conselho Missionário Nacional. Programa Missionário Nacional: versão atualizada e ampliada. Brasília: Edições CNBB, 2025. 

Kuzma, Cesar. Uma Igreja sinodal para superar o clericalismo. In: Brighenti, Agenor. O novo rosto do catolicismo brasileiro: Clero, leigos, religiosas e perfil dos padres novos. Petrópolis: Editora Vozes, 2023. 

Papa Francisco. Carta do Papa Francisco ao Povo de Deus. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2018/documents/papa-francesco_20180820_lettera-popolo-didio.html>. Acesso em 3 dezembro 2025. 

Papa Francisco. Evangelii Gaudium. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>. Acesso em 3 dezembro 2025. 

Papa Francisco. Exortação Apostólica Christus Vivit. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html>. Acesso em 3 dezembro 2025. 

Rádio Amar e Servir. Programa Missionário Nacional. Disponível em: < https://youtu.be/BJJoWb0orFA?si=7UUYC_DiGpzwJ1qf>. Acesso 3 dezembro 2025. 

Rede Inaciana de Juventude – MAGIS Brasil. Juventudes e missão: discípulos-missionários de Jesus de Nazaré. Disponível em: < https://www.youtube.com/live/ifqSdJeBsYo?si=yhciUhOr1UWlO2G->. Acesso em 3 dezembro 2025. 

Rede Inaciana de Juventude – MAGIS Brasil. MAGIS Cast: Juventudes e missão. Disponível em: < https://youtu.be/MSdpfwmjjfE?si=F6-iYu61mlrrFLve>. Acesso em 3 dezembro 2025. 

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