Larissa Maia Artoni*

Santo Inácio de Loyola ofereceu à Igreja uma nova perspectiva de espiritualidade. Desde a fundação da Companhia de Jesus até os dias atuais, os escritos de Santo Inácio, seus Exercícios Espirituais, além das numerosas cartas aos primeiros jesuítas, revelam a sistematização de um exercício contínuo do olhar reflexivo sobre a vida e sua relação com Deus, sobre os sentimentos que brotam em cada ação, sobre a sucessão de eventos de um dia, de um mês ou de um ano. O chamado “exame de consciência inaciano” é uma ferramenta de grande utilidade para muitas pessoas, quer religiosas ou não, principalmente nos dias atuais, em que a sucessão de eventos nos atropela e nos esgota.

Um dos maiores biógrafos de Santo Inácio de Loyola, diz ser Inácio “o homem mais reflexivo da história”(1). Não duvido da alcunha, que me faz também refletir, senão imaginar, o que pensaria Iñigo, já convertido em Inácio, de seu passado juvenil, afinal o que somos nós agora senão um acúmulo de eventos, de informações, de sentimentos e de experiências? Para além de todo o escrúpulo típico de um homem cristão e medieval como era Inácio, que heranças de seu passado, de sua formação, ele traria para a vida adulta e para a vida no governo da Companhia?

A esta indagação, soma-se uma tendência marcante nos trabalhos históricos, que é o olhar cronológico; aquela sucessão de eventos, com início, meio e fim, que chega a aquecer o coração de um historiador. Assim, ainda que esta sucessão de eventos não tenha um fim (afinal, a Companhia de Jesus se mantém firme e forte, mesmo após sucessivas expulsões e tentativas de extinção), o que proponho aqui é este olhar sobre a história de vida de Iñigo, a quem trataremos a partir de agora por Inácio. Um balanço bibliográfico sobre os primeiros anos de vida do santo fundador da Companhia de Jesus. Um olhar sobre este Inácio antes de Inácio, sobre esse jovem disposto a entregar sua própria vida durante a Batalha de Pamplona.

Sabemos que Inácio nasceu numa pequena vila no norte da Espanha chamada Azpeitia. Esta vila, pertencente à província de Guipúzcoa, foi fundada no início do século XIV e era uma vila, como tantas, murada. O contexto não era dos mais pacíficos e estar do lado de dentro dos muros trazia um pouco de segurança aos moradores.

Os conflitos não diziam respeito apenas à presença dos mouros, tão fortemente marcada no contexto específico espanhol, mas também diziam respeito às guerras familiares e aos distúrbios promovidos pelos chamados Parientes Mayores.

Uma classe senhorial privilegiada que figurava na sociedade guipúzcoana como verdadeiros senhores feudais. Estes, guerreando entre si em busca de poder, perturbavam a paz na província. Por isso, cada bando fechou-se em seus muros, tendo seus vizinhos como vassalos de sua causa.

Quando nasceu Inácio, os mayores já não eram causa de grandes confrontos na província. No entanto, certamente soubera cedo sua herança familiar pertencente à linhagem de Oñaz e Loyola, que figurava entre os vinte e quatro parientes mayores que receberam, do próprio Rei Afonso XI, concessões e privilégios como gratificação pelo auxílio na Batalha de Beotíbar. Estariam, os Oñaz e Loyola, entre os senhores que mais se destacaram no confronto.

Além da concessão de bens e de poderes na região de origem da família – cujo nome Loyola, em basco, significa lodaçal, a terra fértil do vale do rio Urola, aos pés do monte Izarraitz, chão onde Inácio e seus antepassados pisaram e viveram -, o monarca concedera aos Oñaz e Loyola o direito de Padroado sobre a igreja de Azpeitia, que não se restringia à paróquia de São Sebastião de Soreasu – igreja medieval onde até hoje se preserva a pia batismal de Inácio -, mas também à Urrestilla e a dez ermidas campestres dos arredores. Uma grande benesse real.

Há de se ressaltar, no entanto, que apesar da riqueza da família, esta condizia muito mais com um bem-estar campestre do que com um rio de ouro e pedras preciosas. O poder da família vinha de uma índole dominadora, poderosa e respeitável.

Assim, os antepassados de Inácio puderam construir sobre o solo em que nasceram, a famosa casa-torre, que hoje pertence ao Santuário de Santo Inácio. Eram tempos de guerra, e as habitações dos mayores eram construídas como fortalezas. Tamanhos eram os distúrbios oriundos destas guerras familiares, que já em meados do século XV (portanto, algumas décadas antes do nascimento de Inácio) houve um grande levante na província contra os mayores, o que levou ao desterro muitas das famílias e à destruição das casas fortes.

O avô paterno de Inácio, após quatro anos de desterro, voltou à Azpeitia e solicitou ao rei D. Henrique IV (que determinara a demolição da casa-torre), a reconstrução do edifício. Recebeu do rei a autorização para reconstruir o andar superior que havia sido demolido, no entanto, com a ressalva de fazê-lo não mais de pedra, como uma fortaleza, mas de tijolos. Os mayores já não poderiam ter o domínio sobre toda a região.

Foi nesta casa, com estilo híbrido entre fortaleza no andar inferior e habitação no andar superior, que Inácio nasceu. Estes dois ambientes, militar e familiar, permearam a vida de Inácio desde a tenra idade.

O mais novo dos 13 filhos recebeu o nome Iñigo. Diversos podem ser os motivos que levaram seus pais, D. Marina e D. Beltrán, a escolherem tal nome, mas nos é permitido imaginar: teria sido a escolha em homenagem ao santo do dia de seu nascimento, prática comum naquela época? Alguns documentos sugerem que Inácio nasceu antes de 23 de outubro de 1491, portanto, seria possível que seu nascimento teria sido no dia 1º de junho, festa litúrgica de Santo Iñigo. Seja como for, Iñigo foi o nome que utilizou por 40 anos, quando decidiu mudar seu nome para Ignatius (forma latina de Inácio).

Sua primeira infância se deu entre a casa-torre de Loyola e a Casa de Eguibar, nas proximidades da casa paterna. Maria Garín, senhora de Eguibar, foi quem amamentou o bebê Inácio, devido à extenuação corporal de D. Marina que, após tantas gestações e já com idade avançada, não pôde suster os cuidados da primeira infância de seu filho caçula. Não sabemos a data de sua morte, mas os biógrafos de Santo Inácio são unânimes em ressaltar que D. Marina não acompanhou por muitos anos o crescimento de Inácio.

Assim, o pequeno Inácio recebeu muito de sua primeira formação na casa de Eguibar, casal notadamente generoso e devoto. Também recebeu as lições das primeiras letras e do ensino da gramática no lar paterno, através de um pedagogo contratado por D. Beltrán. Isso talvez denote uma intenção paterna de encaminhar o filho mais novo ao sacerdócio, uma vez que era prática usual encaminhar os filhos dos lares abastados à Igreja ou à Casa Real (à exceção dos primogênitos, que deveriam permanecer ao lado de seus pais e garantir a perpetuação do nome da família).

Mas não foi somente o ensino formal que D. Beltrán legou ao pequeno Inácio. A formação religiosa e moral também recebeu do pai, além das lições sobre a sua própria história. O conhecimento da história parece ter sido fator de especial interesse de D. Beltrán e diversos documentos da Companhia, como as cartas de Inácio e seus Exercícios Espirituais, demonstram que este cuidado em preservar a história foi cultivado em Inácio.

Um exemplo disso nos chega através da documentação da chamada “Milícia da Banda” (grupo de cavaleiros premiados pelo rei Afonso XI constituído pelos parientes mayores), entre os quais os Loyola seriam os mais ilustres. Nas regras do grupo, destacamos a seguinte orientação: de que “todos daquela Ordem falassem pouco, e o que falassem fosse mui verdadeiro” (GARCÍA-VILLOSLADA, 1991). Como não relacionar esta orientação àquela que o próprio Inácio dava aos seus companheiros jesuítas? É muito provável que o pequeno Inácio conheceu estes documentos sobre sua família e quem senão o próprio D. Beltrán os teria relevado?

É sabido, ainda, que D. Beltrán teria mandado copiar e autenticar diversos documentos históricos de sua linhagem, de maneira a preservar a história da família Loyola. E que frutos colhera D. Beltrán com Inácio, que preservou o mesmo cuidado com os documentos históricos da Companhia.

Inácio esteve em Loyola até os 15 anos de idade, quando foi enviado por seu pai à Arévalo para se estabelecer na Corte. Era costume, entre os nobres, enviar seus filhos para a casa de um familiar ou amigo que tivesse relações com a sociedade da Corte e os Loyola o fizeram, ao que se sabe, desde o século XIV, enviando seus filhos à Corte de Castela.

D. Beltrán enviou Inácio a seu amigo e parente distante, D. Juan Velázquez de Cuéllar, Provedor da Fazenda Real, que tinha uma excelente relação com os monarcas, quer pelo seu trabalho, quer pela trajetória de sua família (seu pai pertencera ao Conselho de D. João II e fora mordomo de D. Isabel de Avis, que viveu em Arévalo por muitos anos). Nesta época, é provável que Inácio já fosse órfão de mãe e recebeu no lar dos Velázquez não somente a formação para se tornar um cortesão, mas também o afeto familiar.

Velázquez era, além de Provedor da Fazenda, militar e um homem muito culto. Quando da morte de D. Isabel I, o provedor pôde receber parte do precioso acervo da rainha e cultivou uma excelente biblioteca em seu palácio em Arévalo. Lá, Inácio conheceu alguns destes livros e tomou o gosto pela leitura dos romances de cavalaria. Também em Arévalo, Inácio desenvolveu gosto pela música e pelo canto, o que levou consigo até o final de sua vida: “O com que muito se alevantava en oração era a música e o canto das cousas divinas, como são vésperas, missas e outras semelhantes; tanto que, como elle mesmo me confessou, se acertava de entrar em alguma ygreya quando se celebravão estes officios cantados, logo parecia que totalmente se transportava de sy mesmo. E não somente lhe fazia isto bem à alma, mas ayuda à saude corporal: e assy quando a não tinha, ou estava com grande fastio, com nemhuma cousa se lhe tirava mays, que com ouvir cantar alguma cousa devota a qualquer Yrmão”(2).

No entanto, a grande paixão que tomou parte da vida de Inácio em seus anos juvenis foi a carreira militar. Os torneios de cavalaria tornaram Inácio conhecido em coragem e destreza e seu ânimo vislumbrava grandes honras e glórias em combate. Como afirma Pedro de Ribadeneira, grande biógrafo de Santo Inácio: “Y começando ya a ser moço y a hervirle la sangue, movido del exemplo de sus hermanos, que eran varones esforçados, y el, que suyo era brioso y de grande ánimo, diose mucho a todos los exercicios de armas, procurando de aventajarse sobre todos sus iguales, y de alcançar nombre valeroso, y honra y gloria militar”(3).

Assim, entre torneios e festas em Arévalo, entre o tocar do alaúde e os romances de cavalaria, Inácio formava-se mais conforme o espírito do mundo que ao de Deus, como disse Juan de Polanco, secretário e biógrafo de Inácio de Loyola: “prout illa tempora et mores ferebant, potius juxta mundi hujus quam Dei spiritum peracta est”(4).

No entanto, aos 26 anos de idade, Inácio sofreria o primeiro grande revés de sua vida, que o faria mudar sua forma de ver o mundo, bem como os seus sonhos: a catástrofe na família Velázquez e a morte de seu benfeitor. Com a morte do Rei D. Fernando em 1516, Arévalo foi entregue à Rainha Germana de Foix e a família Velázquez caiu em desgraça. Após uma breve rebelião, D. Juan entregou a vila e saiu rumo à Madri carregando a melancolia que se somou ao luto pela morte de seu filho mais velho. Não tardaria a morte do chefe da família Velázquez, sem a possibilidade de ver a reparação de Carlos V, anos mais tarde, sobre o reino de Castela.

Após 11 anos, Inácio sairia de Arévalo deixando para trás o sonho da vida na Corte. A experiência que tivera entre torneios e palácios encerrava-se abruptamente e provocava muitas reflexões no cavaleiro. No entanto, Inácio levaria diversos ensinamentos dessa experiência para toda a sua vida, como o gosto pela literatura e pela música, além dos ensinamentos na arte da oratória e da cortesia nos modos de falar e agir, de que testemunharam os primeiros jesuítas que conviveram com o santo.

Quando, ao narrar sua vida ao P. Gonçalves da Câmara, Inácio dizia que “até os vinte e seis anos de sua idade, foi um homem entregue às vaidades do mundo”, é sobre este momento que refletia. A saída de Arévalo significará para Inácio o primeiro movimento de mudança interior, de novo rumo para a vida. Desejava agora entregar-se a uma causa mais nobre e ter uma vida com um propósito mais elevado. No entanto, ainda não olhava para o alto, mas para a espada.

Saiu de Arévalo rumo à Nájera, com dois cavalos e 500 escudos entregues pela senhora Velázquez, que lhe encomendara à D. Antonio Manrique de Lara, vice-rei de Navarra. Recomendação não ocasional, pois certamente a senhora conhecia as intenções de Inácio em relação à sua carreira militar e Nájera era o ambiente perfeito para seu intento: dadas as pretensões francesas sobre o reino de Navarra, não seriam poucas as batalhas as que Inácio teria; vislumbrava-se o cenário ideal para que alcançasse a tão pretendida glória militar.

A ida de Inácio para servir ao vice-rei de Navarra foi também muito proveitosa para D. Antonio Manrique, pois seria de grande utilidade ter, para a sua causa, o jovem guipuzcoano, de origem Oñaz e Loyola, capaz de dialogar entre os seus e servir à pacificação dos distúrbios que se avistavam. França trabalhava na invasão do território espanhol através de Navarra (reino que fazia fronteira com o francês). Pamplona, então sede do reino, era onde se estabelecia o vice-rei e foi onde viveu Inácio por, pelo menos, três anos.

A partir do final do ano de 1519, Inácio passa a ter o direito, concedido pelo próprio Rei Carlos V, de portar armas. Inácio havia feito a solicitação formal quando da visita de Carlos V ao reino. O motivo é ainda nebuloso, mas diz respeito a uma ameaça de morte recebida de um galego chamado Francisco de Oya. Trazemos esse episódio à tona, pois ele revela um aspecto interessante da virtude de Inácio: o documento enviado ao Rei, por intermédio do Arcebispo de Granada diz “Mui poderoso Senhor: Iñigo López de Loyola diz que tem inimizade e diferença com Francisco de Oya, galego, criado da Condessa de Camiña, o qual diz que há de matar e, pondo-o por obra, o espreitou muitas vezes, e nunca quis amizade, posto o caso que foi muitas vezes solicitado com ela. Por cuja causa o dito Iñigo López tem muita necessidade de trazer armas para guarda e defesa de sua pessoa, como dará informação, se necessário for” (5).

Inácio, ameaçado de morte, ofereceu sua amizade ao possível algoz. Ainda que imerso em ideais mundanos, talvez este episódio nos revele aquela mudança de vida a que Inácio se propunha.

Outro episódio, muito mais conhecido, é o da tomada de Nájera, quando a população se levanta em armas contra o seu duque, a quem Inácio estava a serviço. O duque de Nájera, abafando a rebelião com seu exército, entregou a cidade ao saque, como forma de retaliação. Inácio, ainda que fosse um dos principais responsáveis pela retomada de Nájera pelo duque, não quis participar do saque, por considerar isso ação desonrosa e pouco digna (6). Uma prudência pouco comum a um jovem militar.

No entanto, a rebelião não foi sufocada por completo. Em setembro de 1520, gentes da província de Guipúzcoa se levantavam contra o vice-rei. Dessa vez, D. Antonio Manrique decide pela diplomacia, e envia Inácio para tentar apaziguar a rebelião. Uma estratégia acertada de Manrique, pois sabia que sendo um Loyola, Inácio gozaria de respeito e prestígio na região. Trataria, com grande habilidade, de conseguir a pacificação da rebelião: “resplandeció mucho su prudencia en este asunto, pues fué tal su proceder que restableció la concordia entre las partes con gran satisfacción de ellas” (7).

Contudo, a paz conquistada na província por Loyola durou pouco: já batia à porta o exército francês. O duque, que já havia advertido o Imperador sobre a possibilidade real da invasão, solicitou o breve retorno de Inácio à Pamplona, cuja fortaleza ainda estava inconclusa, sem parapeitos e vulnerável. Na verdade, todo reino navarro já estava em perigo.

Já em 13 de maio, os franceses tomam a fortaleza de San Juan de Pie de Pueto e aproximam-se de Pamplona. O duque, vendo a impossibilidade de se defender com o pouco exército e sem retorno dos seus numerosos pedidos de reforços, partiu de Pamplona, vislumbrando a possibilidade de exigir, pessoalmente, meios para a defesa.

Em Pamplona, o número de soldados era diminuto e as possibilidades de defesa, muito pequenas. Inácio, no entanto, decidiu entrar e defender a cidade que, além do perigo iminente de derrota, ainda demonstrava uma tendência majoritariamente francófila. Ainda assim, Inácio se põe decidido pela defesa de Pamplona, ainda que isso pudesse lhe custar a vida.

Inácio chegou entre os dias 17 e 18 de maio e encontrou uma cidade completamente entregue, sem resistência. O palácio do duque já havia sido saqueado e a atmosfera era de caos. No dia seguinte, os deputados de Pamplona juram fidelidade ao rei francês e o exército entra livremente na cidade. Assim, não havia alternativa senão tentar a defesa a partir da fortaleza. Herrera, comandante dos homens, fecha-se com os seus, que propõem a entrega das armas em defesa de suas vidas.

Inácio, cuja estirpe de titãs se fazia notar, foi veementemente contrário à entrega da fortaleza, dizendo ser dever daqueles homens a defesa ou a morte pela espada. Com sua enorme capacidade de argumentação, Inácio convenceu Herrera, que aguardou o ataque durante toda a madrugada. Na manhã do dia 20, o exército francês iniciaria o ataque com canhões em frente à fortaleza.

Os documentos sobre a batalha revelam que, apesar de terem quase nulas as possibilidades de êxito na defesa da fortaleza, a resistência durou cerca de seis horas: “cosa increíble, cosa que apenas se atreve uno a decir, a las seis horas exactas que llevaba el asedio, los castellanos se entregaron”(8).

Os espanhóis se renderiam somente após cair Inácio, atingido em ambas as pernas por uma bala de canhão: “Depois de durarem um bom tempo os tiros da artilharia, uma bombarda lhe acertou numa perna e a quebrou toda: a bala lhe passou entre as pernas, deixando a outra também bastante ferida. Caindo ele, os da fortaleza se renderam logo aos franceses”(9).

Inácio foi o pilar dessa resistência, a qual viu desmoronar junto com as pedras da fortaleza e com seu próprio corpo. Os documentos revelam, ainda, que a atrocidade do exército francês se pretendia maior, pois intentava-se o extermínio dos homens de Castela. No entanto, André de Foix, chefe da artilharia francesa, determinou que não se fizesse o massacre e tratou a Inácio com “cortesia e amizade”(10).

Novamente, ruíam os sonhos de Inácio. Se antes, viu desmoronar suas possibilidades de entrar para a sociedade da Corte, agora via-se com o risco de perder a própria vida ou, ao menos, perder a possibilidade de obter as honras e glórias militares tão almejadas. Tão dura quanto a própria bala de canhão, a nova realidade que se apresentava a Inácio foi o mais forte revez até então em sua vida.

Aquele jovem guipuzcoano certamente não temia a dor e a morte, mas talvez temesse o que seria sua vida a partir daquele momento. Afinal, como disse Fernando Pessoa, “matar o sonho é matarmo-nos”. Mal sabia que graças à sua “não morte”, à sua força e resistência em manter sua vida, serviria agora ao propósito mais elevado que antes vislumbrava. Agora, o mais elevado propósito que nunca antes pudera almejar e cujo itinerário estava prestes a começar.

Notas:

(1) GARCÍA VILLOSLADA, Ricardo SJ. Santo Inácio de Loyola: nova biografia. São Paulo: Loyola, 1991.
(2) Do Memorial de Luís Gonçalves da Câmara, de 1555. In: GARCÍA VILLOSLADA, Ricardo SJ. Santo Inácio de Loyola: nova biografia. São Paulo: Loyola, 1991.(3) RIBADENEYRA, Pedro de SJ. Vita Ignatii Loiolae. In: Fontes narrativi de Sancto Ignatio de Loyola et de Societatis Iesu Initiis. Romae: apud Monumenta Historica Soc. Iesu, 1943-1965. 4 v. (Monumenta historica Societatis Iesu ; 66, 73, 85, 93).
(4) POLANCO, Juan-Alphonso de SJ. Vita Ignatii Loiolae et rerum Societatis Jesu historia. Matriti: Excudebat Typographorum Societas, 1894-1898. 6 v. (Monumenta historica Societatis Iesu).
(5) In: GARCÍA VILLOSLADA. Op. cit.
(6) In: POLANCO. Op. cit.
(7) PÉREZ-ARREGUI, Juan María SJ.; ZAVALA, Ignacio Maria. San Ignacio en Azpeitia: monografia historica. 3 ed. Vitoria: Heraclio Fournier, 1991.
(8) In: PÉREZ-ARREGUI, Op. cit.
(9) INÁCIO, de Loyola, Santo, SJ. Autobiografia de Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 1991.
(10) INÁCIO, Op. cit.

Fonte: Ano Inaciano Pateo do Collegio
https://www.anoinaciano-pateodocollegio.com/post/i%C3%B1igo-lopez-de-loyola-uma-juventude-repleta-de-sonhos

* Historiadora, pesquisadora do Pateo do Collegio e responsável pelo Memorial P. Manuel da Nóbrega, da
Secretaria de Cuidado do Patrimônio Histórico e Cultural da Província BRA da Companhia de Jesus

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