Escrito por E. Lucas Pedro dos Santos, SJ

A autobiografia de Santo Inácio de Loyola denota um rico e inspirador processo de autoconhecimento, que se inicia a partir de um homem concreto e situado em contexto específico: “O Período da Idade Média”. Ele dado as vaidades do mundo e aventureiro das honras e glórias que as salas dos grandes castelos daquela época ofereciam.

A bala de canhão que atingiu a perna de Santo Inácio em um momento de muita virilidade, com muitos sonhos e desejos de vida futura, o fez parar seu itinerário de vida de forma brusca. Aquele que apenas seguia o fluxo da vida vivendo um dia após o outro, sem parar muito para pensar, de repente está imobilizado e com sua perna ferida e percebe que sua mente é povoada por uma alternância de pensamentos de distintas origens e que precisavam ser mais bem esclarecidos e melhor discernidos. Alguns dos pensamentos levando-o para o bom caminho e outros para o mau trajeto. Por isso, precisava discernir a quais ele deveria seguir. Naquele momento não possuía muita habilidade para fazer reflexões, meditações e, mediante a isso, realizar escolhas. Nesse momento ele passou a viver uma intensa flutuação desses pensamentos. E o tempo dedicado a essas ações sofreu também uma grande variação. Indo de um extremo para o outro em intervalos de tempo muito distintos.

Do mesmo modo que em alguns momentos da vida de Santo Inácio, como nós peregrinos neste mundo em busca da “Vontade de Deus”, nos vemos em momentos de escrúpulos, ou seja, exageros que precisam ser ordenados, que precisam ser vividos de forma virtuosa como inspira Aristóteles na prática de uma vida boa e sã, com o objetivo de ter uma vida feliz. Para isso, o filósofo aponta que é necessário ter uma vida ordenada, pautada pela mediania, que foge dos comportamentos extremos, por exemplo. Ainda tendo tal pensador como inspiração para refletirmos como devemos agir, tanto em nossa ação racional, como também por nossa ação pura e prática, ele nos oferece um caminho que tem a seguinte proposição com elenco: para pensarmos uma vida virtuosa, para o filósofo, e sem escrúpulos, para o santo, ele menciona em sua filosofia que a coragem é a mediania entre o excesso da covardia e o exagero da temeridade.

O próximo passo é a iluminação, sob a perspectiva de um elemento chave para nossa espiritualidade que é o “acompanhamento”. Na autobiografia de Santo Inácio temos a presença de um confessor, um “Frade Dominicano” que ouve as suas confissões e suas orações e o ajuda a aprender a ler e entender as “moções” que são a escrita e o movimento de Deus no interior daquele que faz um exercício espiritual. O exercício espiritual tem como objetivo buscar e encontrar a vontade de Deus. Mas, antes disso, é preciso considerar que há uma diversidade de pensamentos, aqueles que não ajudam a fazer a vontade de Deus. Eles agitam quem têm tais pensamentos os causando escrúpulos distinguindo, por assim dizer, dos bons pensamentos, que se orientam pela vontade de Deus gerando como fruto uma abertura a Deus, levando a uma maior fé, esperança e caridade, como dita Santo Inácio de Loyola em seus exercícios espirituais. Com isso, aparece a necessidade de os distinguir, perceber os bons pensamentos e deles se apropriar e os maus pensamentos os repelir.

O que muitas vezes acontece é que pelo orgulho muitos indivíduos tentam solucionar as coisas por si mesmo, não acorrendo a ajudas mais experimentadas na vida e acabam por se perder nesse emaranhado de pensamentos. Cabe, portanto, ao “acompanhante” (Confessor) ajudar com sua visão mais neutra e distante dos fatos e pensamentos relatados, e ajudar com que o “acompanhante” perceba para onde apontam tais pensamentos e tais moções.

Na Grécia Antiga, havia um templo onde as pessoas acorriam na busca de elucidar algumas questões complexas de suas vidas, e na entrada de tal templo, havia um letreiro que dizia o seguinte: “Conhece-te a ti mesmo”. Aqui podemos perceber que o desejo de autoconhecimento não é novo, mas vai se atualizando no fio singelo e constante da história da humanidade por diversos personagens. Aconteceu assim na antiguidade, séculos mais tarde se atualizou em nossa espiritualidade com o jovem Iñigo, e nos dias atuais, continuamos a nossa aventura humana por desbravar as sendas interiores, para encontrar a felicidade em sentido antropológico, realizar “A Vontade de Deus” em sentido cristão.

Se algo me causa escrúpulo ou desordem, os ensinamentos que recebemos do caminho inaciano é que devemos tomar outro caminho, fazer uma rota oposta, com a finalidade de ordenar os afetos e seguir o rumo da vida. O objetivo em nossa reflexão e que todos devemos nos deixar orientar por Deus, sem se determinar por uma afeição desordenada. Nasce aí o “Agere Contra” que Santo Inácio de Loyola tanto nos inspira. Assim vencer a si mesmo como bem aparece no título pressuposto dos Exercícios Espirituais (EE 21). O que se aproxima de uma outra frase muito conhecida por nós e que se deve ressoar em nossos corações como um “mantra”, que está nos exercícios espirituais no “Sair do amor-próprio, querer e interesse” (EE 189).

Portanto, nessa travessia, inspirados por Santo Inácio de Loyola, que com sua vida ilumina a vencer as noites escuras dos escrúpulos, e nos dias luminosos da vida ser acompanhados para crescer em graça de uma vida cheia de virtude e repleta de felicidade e, por conseguinte, unir-se a Deus, na pessoa de Jesus, para “Ver novas todas as coisas em Cristo”, assim sendo, gestar aí um mundo mergulhado nas águas da esperança, com uma vida com esquinas de poesia, com significados que preenchem e aquecem o coração. Tendo como composição de lugar o amor generoso de Jesus, sempre providente e confiante em todos nós. Que purifica e alenta o nosso ser, para à graça da leveza de estar sempre conduzido pelas suas moções. Nessa bela travessia que é a arte de se conhecer para conhecer mais a Deus ou o contrário conhecer mais a Deus, que por graça faz com que nos conheçamos mais a nós mesmos.

Textos Bíblicos: Lc, 12,13-21 e Mt 6,25-34

O que ainda precisa ser clarificado na vida? Quais as dificuldades para se distinguir entre o que são pensamentos provenientes do bom e do mau espírito? Você sente que está preso a escrúpulos? Conseguiria dar nome a eles?

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