“Viver é habitar em seu nome” (Desconhecido)
Iñigo, Inácio, homem-saco, peregrino, místico, pobre. Era normal que, mudando de condição, Inácio também mudasse de nome. Certas pessoas são alienadas por causa de seu nome: há as mal nomeadas, as não nomeadas, as inomináveis, as pseudo nomeadas, as renomeadas, as sobrenomeadas, etc.
O nome tem tanta importância na tradição bíblica que se tornou o motor da história, a própria possibilidade de desdobramento do tempo da história. Por exemplo, podemos lembrar que Abram e Sarai, casal estéril, devem primeiro mudar de nome – se tornam Abraham e Sarah – e que somente depois disso é que eles tem acesso à fertilidade.
Em hebraico, a palavra nome, “shem”, vem da raiz “sham”, que significa “lá”. Ter um nome é ir além de si, entrar em um movimento de transcendência, de superação de si, de projeto. Nesse sentido, ter um nome é literalmente existir, no sentido etimológico de manter-se fora, fora de todo conteúdo que possamos nos dar.
Todo ser humano, quando nasce, possui duas dimensões: um estar aqui e um estar lá. O estar aqui é a situação passiva do nascimento, que herdamos como uma dívida que não contraímos. É o aqui de uma herança na qual somos jogados, herança dos ancestrais, destino. Ao estarmos aqui, se opõe o estar lá. Assim, ser humano significa essencialmente “estar em … estar lá” isto é, estar em um projeto, em uma abertura para o futuro.
Abertura à extensão de si mesmo
Mais do que um conteúdo, nosso projeto de vida pode ser uma abertura do ser humano para outra dimensão que a sua própria existência. O ser se define então como um “sendo”, um poder e um querer ser diferente. O “lá” do nome permite escapar ao destino de uma vida já escrita, já traçada. Pelo nome como projeto, a vida se torna aventura. Rabi Nahman de Braslav escreve: “Nunca pergunte o seu caminho a alguém que o conhece, pois você não poderia se perder”. A arte de ter nome significa doravante a capacidade de levar-se a si mesmo, transportar-se, fazer-se metáfora de si mesmo, no sentido etimológico dessa palavra, que quer dizer levar para o além. Significa estar presente, isto é, estar diante de si.
O nome não é uma película sonora que recobre um indivíduo para encerrá-lo em uma identidade, mas, ao contrário, o nome é, no ser humano, o conjunto de forças que o impulsionam a se inventar, em um processo infinito de ser, de identificação, de significação e de transcendência.
Se o nome é dado no nascimento, é porque também tem por vocação lembrar-nos sem cessar de que temos de nascer e renascer infinitamente. O nome que a criança recebe quando nasce é um formidável presente, o de carregar consigo o próprio momento desse nascimento. Ter um nome significa ter a capacidade infinita de renascer. O nome é um memorial da infância, uma parte da criança nascente que carregamos em nós como um presente da própria existência. “Diga a você mesmo que não paramos de nascer. Mas que os mortos acabaram de morrer.” (Louis-René des Forêts).
Ter um nome é levar-se rumo ao próprio nome
O nome é esse movimento não parar de nascer, essa inicial e inaugural luz do ser, o próprio poder da liberdade. O nome, enquanto memorial da infância, é a obstinação do estar-nascendo do ser. “A arte de ter um nome é sentir esse acontecimento do nascimento que nos acompanha infatigávelmente, que ganha a forma da capacidade de ver e sentir o nascimento do acontecimento, de uma ruptura na trama do mundo, de um rasgo inesperado no tempo e no espaço.” (Marc-Alain Ouaknin).
O núcleo do nome é a capacidade de abertura ao acontecimento, à novidade imprevisível. A pessoa capaz de acontecimentos está aberto ao seu próprio devir, a caminho de seu nome, que não poderá mais atingir. O verdadeiro acontecimento/advento nos expõe ao risco, à oportunidade de nos tornar outro, é imprevisível. O acontecimento é encontro. Ele é transformador em si. Ele é, pois, nascimento e renascimento ao mesmo tempo. Ele abre um mundo ao ser humano que o acolhe, e no acolhimento se dá a própria transformação.
Texto Bíblico Lc 2, 21-40 / Mc 5, 1-20
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