A Comunidade Juvenil como Semente de Esperança

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Luiz Eleildo Pereira Alves

Olá, caro amigo! 

O caminho que estamos trilhando em nossas reflexões aproxima-nos e, ao mesmo tempo, já nos permite certa intimidade com o diálogo que iniciamos há duas semanas. A fim de recordar o que temos postulado nesta estrada que se constrói conjuntamente a partir das nossas interações, vamos começar este texto retomando os passos anteriores. Ação necessária para avançarmos.  

Inicialmente, estabelecemos contato com a base epistemológica da reflexão que empreendemos, qual seja, a biologia da cognição de Maturana e Varela. Buscamos articular como os elementos postulados por esses autores em suas obras ajudam-nos a pensar a temática da constituição de comunidades juvenis, por ser a juventude um tempo de descobertas, de plasticidade estrutural e de reorganizações internas provocadas pelas interações sociais, culturais e espirituais. 

Afirmamos a importância de entendermos que a constituição das comunidades ocorre por meio da linguagem e das relações humanas, nas quais cada encontro e cada vínculo transformam o sujeito. Portanto, não existe um “eu” isolado, mas um ser autopoietico que se constrói no diálogo e na aceitação do outro como “legítimo outro”. 

Destacamos, ainda, no primeiro texto, que a comunidade, sob uma perspectiva cristã, é fundamentada na alegria e no amor fraterno, a exemplo das primeiras comunidades dos apóstolos. Na verdade, dissemos: a vida cristã é essencialmente comunitária, sendo espaço de partilha, equidade e florescimento humano

Depois, aprofundamos a reflexão destacando a diferença entre comunidades provisórias (ligadas a encontros pontuais e transitórios) e comunidades permanentes (baseadas em vínculos afetivos duradouros), cientes de que a vida contemporânea, marcada pelo consumismo e pelo individualismo, dificulta a construção de comunidades sólidas. Mesmo assim, as comunidades formadas pelas juventudes resistem e se ressignificam, formando redes de ação espontâneas através do seu potencial transformador, o que possibilita o acoplamento estrutural e reorganização mútua dos sujeitos. Por isso, o nosso desafio pastoral, social e educativo está em transformar encontros efêmeros em experiências de vida compartilhada, em que prevaleçam o cuidado mútuo, a amizade social e a fraternidade. 

Depois dessa retomada, avançamos. Agora somos chamados a pensar a comunidade juvenil, ou as comunidades juvenis, como espaços de esperança. É comum escutarmos que a juventude é o nosso amanhã, mas até que ponto estamos conscientes de que esse amanhã constrói-se no hoje, a partir das escolhas e das ações empreendidas no agora da existência? 

Os jovens carregam em si tanto as marcas de sua época quanto os sinais do porvir. Nas comunidades, sejam elas eclesiais, educativas ou sociais, os jovens vivem experiências que revelam tensões, buscas e esperanças. No entanto, mais do que esperar passivamente, é necessário um despertar para a realidade ativa. Já se tornou comum em discussões sobre esse tema recorrermos ao ideal freiriano de que precisamos da esperança do verbo “esperançar”, não do verbo “esperar”. Aqui acrescentamos desse mesmo autor a ideia de que a esperança é uma necessidade ontológica (Freire, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido), ou seja: faz parte da essência do ser humano viver de esperança, porque sem ela não conseguimos projetar, criar, transformar, nem mesmo continuar existindo de forma digna. Daí que esperançar não é ingenuidade, mas compromisso ativo com a vida humana.  

A síntese organizada por Hilário Dick baseada no Documento do Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho (CELAM) nº 173, Civilización del Amor – Proyecto y Misión. Orientaciones para una Pastoral Juvenil Latinoamericana, afirma que o referido documento principia:

lembrando que, para apresentar o anúncio da Boa Nova “de modo atraente e acessível à vida dos ideais evangélicos da juventude”, é necessária, uma ação que leve em conta o lugar vital da juventude, ou seja, as situações em que ela vive, no dia a dia: as experiências de grupo a partir da cultura do espaço, das organizações próprias do ambiente de trabalho ou do próprio local. A Pastoral da Juventude deve ser aquela que “anuncia, nos compromissos assumidos na vida cotidiana, que o Deus da vida ama os/as jovens e quer para eles/as um futuro diferente, sem frustrações nem marginalizações, onde a vida é totalmente acessível a todos”. Como dizem as Conclusões da Conferência Episcopal de Santo Domingo a Pastoral da Juventude assume e valoriza organizações que partam da vida dos jovens, dos ambientes onde os jovens vivem e agem (DSD, 119-120).

No texto passado, recorrendo a dados do relatório Juventudes e Conexões, vimos que a maioria dos jovens consideram como seus espaços de integração comunitária e de inspiração pessoal as escolas e as universidades, mas ainda os espaços culturais. Daí porque é necessário que estejamos nesses lugares disponíveis à pedagogia do encontro com esses que, muitas vezes, estão desesperançados e a pastoral juvenil é um dos principais caminhos para viver essa missão. É propriamente uma concretização do apelo do Papa Francisco: “Mantenhamo-nos próximo dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo!” (Spes non confundit. Bula de proclamação do jubileu ordinário do ano 2025). 

Sobre essa missão evangelizadora junto às comunidades juvenis, merece também destaque a comunicação em ambiente digital, cada vez crescente na missão evangelizadora, como semente de esperança, com propostas de vida, com anúncio da Boa Nova. Porém, é relevante também considerarmos que essas ferramentas digitais que possibilitam aproximações também causam distanciamentos. Jan-Emmanuel De Neve, pesquisador do Centro de Pesquisa de Bem-Estar da Universidade de Oxford que participou da elaboração do Relatório Mundial da Felicidade, divulgado neste ano de 2025, apontou que os jovens americanos, em especial, apresentam níveis mais altos de infelicidade do que no passado, atribuídos ao aumento da solidão. “Os jovens de hoje têm duas vezes mais probabilidade de jantar sozinhos em comparação a duas décadas atrás. Os hábitos parecem ter mudado: quando olho para meus alunos, eles comem sozinhos, com o celular na mão”, afirma De Neve. Em resposta a esse isolamento, De Neve destaca que formas de vida comunitárias, como compartilhar refeições e morar em famílias com no mínimo quatro integrantes, exercem um efeito positivo sobre o bem-estar desses sujeitos.

Essa informação reforça a necessidade de se constituir comunidades com as juventudes seja no ambiente digital seja no ambiente real que sejam, de fato, lugares de encontro, de experimentação, de aprendizado coletivo. A comunidade, como dissemos nos textos anteriores, não é apenas um espaço físico, mas uma rede de relações e significados. Esperançar na comunidade juvenil, portanto, é vivenciar práticas que fortalecem a solidariedade, a participação e o cuidado mútuo e, sobretudo, práticas que nos lancem para fora de nós mesmos. O maior drama da era digital não são as tecnologias digitais, não são as comunidades digitais, mas o risco do isolamento e da construção de sujeitos que só existem na virtualidade

Estimular a constituição de comunidades juvenis é criar condições para que os jovens não se sintam sozinhos em suas angústias, mas encontrem apoio para sonhar e construir. Como lembra a Christus Vivit n.166:

às vezes toda a energia, os sonhos e o entusiasmo da juventude se atenuam pela tentação de nos fecharmos em nós mesmos, nos nossos problemas, sentimentos feridos, lamentações e comodidades. [Jovem,] não deixes que isto te aconteça, porque ficarás velho por dentro e antes do tempo. Cada idade tem a sua beleza, e à juventude não pode faltar a utopia comunitária, a capacidade de sonhar juntos, os grandes horizontes que contemplamos juntos. 

Assim, o Papa Francisco conclama os jovens a uma esperança crítica, para usar dizeres freirianos, que se opõe à esperança ingênua, como dito, a que espera. Aplicada à comunidade de jovens, a esperança crítica implica reconhecer que a transformação da realidade não virá pronta. É preciso que os jovens sejam sujeitos da mudança, que participem das decisões, que se envolvam na vida social, política e eclesial.  

Por isso, o esperançar é profundamente provocador de autopoiese: transforma o indivíduo despertando-o a uma consciência crítica e ao compromisso coletivo. Essa é a primeira palavra da esperança: o coletivo. A esperança não acontece individualmente, mas na relação dialógica. A comunidade juvenil precisa ser um lugar de fala e de escuta, onde cada jovem pode expressar suas inquietações e ser reconhecido.  

Como é difícil nutrirmos esperança no isolamento! Como é difícil sentirmo-nos sozinhos. Muitas vezes, sabemos, estamos rodeados de pessoas, mas não formamos propriamente uma comunidade. Faltam-nos laços de acolhimento, de cuidado, de escuta. Como é afetiva e efetiva a preocupação mútua, que beleza quando nos sentimos cuidados e zelados.  

O ser filiado ao paradigma consumista/egoísta acha que a necessidade de companhia é bobagem, perda de tempo, fraqueza. Mas, no fundo todos sabemos o quanto faz bem estarmos com quem de fato está conosco. Isso é broto de esperança! É movimento desencadeador de novos acoplamentos estruturais, que florescem a cada vez que nos sentimos mais abraçados e acolhidos. A comunidade é espaço de acoplamento estrutural, onde identidades são construídas e reconstruídas. Assim, o esperançar é um processo biológico e social: envolve emoção (afeto, motivação) e linguagem (diálogo, símbolos, narrativas), pois fundamenta-se principalmente na escuta, primeira sensibilidade na atenção à pessoa.  

Trata-se de escutar o outro, que se nos dá com as suas palavras. O sinal desta escuta é o tempo que dedico ao outro. Não é questão de quantidade, mas de que o outro sinta que o meu tempo é dele: todo o tempo que precisar para me manifestar o que quer. Deve sentir que o escuto incondicionalmente, sem me ofender, escandalizar, aborrecer nem cansar. Tal é a escuta que o Senhor realiza quando Se põe a caminho com os discípulos de Emaús e os acompanha durante longo tempo por uma estrada cuja direção seguida era oposta à correta (cf. Lc 24, 13-35). Quando Jesus faz menção de continuar para diante, porque os dois discípulos tinham chegado a casa, estes compreendem que Ele lhes oferecera o seu tempo e, então, dão-Lhe o deles, oferecendo-Lhe hospedagem. Esta escuta atenta e desinteressada mostra o valor que tem para nós a outra pessoa, independentemente das suas ideias e opções de vida (Christus Vivit, n. 292). 

Essa escuta ativa do outro não é apenas troca de ideias, mas formação de disposições emocionais. Ora, se o esperançar é um ato humano e se todas as ações que nos constituem como sujeitos linguajantes estão imersas na emoção, podemos afirmar que o esperançar, portanto, não é apenas uma escolha racional, mas uma disposição emocional que se constrói na força coletiva. Quando os jovens encontram apoio, reconhecimento e sentido, a emoção que prevalece é a da confiança e da cooperação. Eles são, de fato, fortes (Cf. 1 João 2,14). Isso não é mero otimismo, mas virtude que nasce da fé e se manifesta no amor.  

Assim, a comunidade de jovens torna-se também uma escola de vida: lugar de aprender a ler o mundo, a dialogar, a sonhar e a transformar. A pedagogia do esperançar implica práticas de diálogo que rompam com o competitivismo, com o egoísmo. Se a comunidade de jovens se organiza em torno do medo ou da competição, dificilmente florescerá a esperança.  

Chegamos, então, ao segundo pilar da esperança: o sonho. Para que a esperança floresça no coração do jovem é importante que ele tenha espírito jovem! Muitas vezes encontramos jovens de alma envelhecida, cansada. Podemos dizer que esse é um “falso jovem”. Daí porque nem sempre um jovem anima outro. Às vezes desesperançam-se. É comum, em nossas comunidades paroquiais, em escolas e universidades encontrarmos pessoas de mais idade que têm muito mais esperança de que muitos de pouca idade, porque a estes falta a capacidade de sonhar. O sonho é a força propulsora da esperança. Sem sonhos a comunidade morre porque deixa de ter propósito que a vivifique continuamente, uma vez que os sonhos se reinventam  

de sinais de esperança também têm necessidade aqueles que, em si mesmos, a representam: os jovens. Muitas vezes, infelizmente, veem desmoronar-se os seus sonhos. Não os podemos decepcionar: o futuro funda-se no seu entusiasmo. Como é belo vê-los irradiar energia, por exemplo, quando voluntariamente arregaçam as mangas e se comprometem nas situações de calamidade e mal-estar social! Já é triste ver jovens sem esperança; se bem que se torna inevitável viver o presente na melancolia e no tédio quando o futuro é incerto e impermeável aos sonhos, o estudo não oferece saídas e a falta de emprego ou dum trabalho suficientemente estável corre o risco de suprimir os desejos. A ilusão das drogas, o risco da transgressão e a busca do efêmero criam nos jovens, mais do que nos outros, confusão e escondem-lhes a beleza e o sentido da vida, fazendo-os escorregar para abismos escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos.  (Spes non confundit. n. 12)

Se o sonho é fundamental para a construção da esperança é importante construirmos com a comunidade juvenil projetos de vida. Projetar a vida é mirar adiante através da lente dos sonhos. Os jovens precisam ter um projeto de vida. Certa vez, perguntei em uma sala de aula de 40 alunos de Ensino Médio quais eram seus sonhos. Fiquei surpreso ao não obter nenhuma resposta. Pensei, então: qual o sentido que aqueles jovens atribuíam a tudo o que estavam estudando, vivenciando, se não sonhavam com nada? Eram jovens de alma envelhecida, ou pior, de almas que não tiveram a oportunidade de viver. A justificativa para a atitude daqueles alunos pode ser variada, como aponta o excerto acima: os dramas econômicos, políticos, a liquidez da modernidade, a instabilidade das relações sociais. Mas a pergunta é: o que podemos fazer com esses jovens? Como podemos ajudá-los a sonhar? 

É fácil projetar a vida quando se tem sonhos. Mas, e quando não se pode sonhar? Talvez seja esse o maior desafio na construção de esperança. Uma vez que não se projeta a vida pelo outro, o projeto de vida é pessoal e intrasferível. Assim, são necessárias ações que deem à juventude desesperançada, primeiro, autonomia, pensar por mão própria, entender-se como sujeito, como agente no mundo. Depois, sim, lançar o olhar mais adiante, sonhando, nutrindo constantemente esperança.  

A esperança na comunidade juvenil é semente de um futuro melhor para todos. Por isso, um pensamento integrado sobre a vida não pode desprezar a urgente necessidade de cultivar espaços onde todos se sintam parte reconhecida e chamada a contribuir, transformando a angústia em ação, a solidão em encontro, a espera passiva em mobilização coletiva. É olhar para o futuro sem negar as dores do presente, mas acreditando na comunidade, lado a lado, sem desistir, sem parar, acreditando que cada jovem é um sinal vivo de esperança para o mundo. 

Até o nosso próximo passo, podemos pensar: 

  • Como temos criado espaços que favoreçam o esperançar dos jovens, estimulando-os a serem sujeitos de transformação em suas comunidades?

  • De que maneira nossas práticas educativas, pastorais ou sociais fortalecem laços de cuidado, escuta e solidariedade com/entre os jovens, evitando que se sintam isolados ou desesperançados?

  • Como esperançamos com os desesperançados?

  • Como ajudamos os jovens a projetarem seus sonhos e projetos de vida de forma autônoma? 

REFERÊNCIAS 

DICK, Hilário. Civilização do amor: projeto e missão – Síntese. Disponível em: < https://www.saojoaobatistavicosa.com.br/storage/files/602fc512a033b/sintese-de-civilizacao-do-amor.pdf>. Acesso em 19 ago. 2025. 

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Christus Vivit aos jovens e a todo o povo de Deus. Roma: Vaticano, 2015. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html>.  Acesso em 10 ago. 2025. 

FRANCISCO. Spes non confundit: bula de proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/francesco/pt/bulls/documents/20240509_spes-non-confundit_bolla-giubileo2025.html >. Acesso em 19 ago. 2025.  

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz e terra: Rio de Janeiro, 1992.  

FUNDAÇÃO TELEFÔNICA VIVO; Rede Conhecimento Social; IBOPE Inteligência. Juventudes e Conexões. 3. ed. São Paulo: Fundação Telefônica Vivo, 2019. Disponível em: < https://www.fundacaotelefonicavivo.org.br/wp-content/uploads/pdfs/juventudes-e-conexoes-3edicao-completa.pdf >. Acesso em 13 ago. 2025.  

G1. Por que os jovens de todo o mundo estão mais infelizes. G1 – Bem Estar, 27 mar. 2025. Disponível em: < https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2025/03/27/por-que-os-jovens-de-todo-o-mundo-estao-mais-infelizes.ghtml >. Acesso em 19 ago. 2025. 

QUARTA CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Nova evangelização, promoção humana, cultura cristã; lema: Jesus Cristo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8). Documento final da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, Santo Domingo, 12–28 out. 1992. Preparado pelo CELAM. [S.l.]: CELAM, 1992. Disponível em: < https://pjmp.org/subsidios_arquivos/cnbb/SANTO-DOMINGO-1992-4CELAM-PORTUGUES.pdf >. Acesso em 19 ago. 2025.

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